terça-feira, 3 de agosto de 2010

Mona Lisa e seu tempo

Sinto que, em Paris, o tempo passa de um jeito diferente. E não penso que seja apenas por conta da confusão mental causada pelos dias longos de verão na Cidade Luz, nos quais a claridade do sol não desaparece antes das dez da noite. Tentarei explicar.

Nos primeiros dias após ter me estabelecido e começado a passear, a impressão que tive foi de que as horas voavam e que faltava tempo para visitar tantos lugares interessantes. Mas depois percebi que, na verdade, o que acontece é algo mais complexo: uma fratura no tempo. Em Paris, vivo em dois tempos.

Um é o tempo do relógio, que, de fato, passa muito rapidamente e sempre me deixa com o sentimento de frustração por não ter conseguido fazer tudo o que eu desejaria. Mas, paciência. Afinal, Paris é um lugar de sonho, e nos sonhos os desejos nunca se realizam. Aliás, tenho aprendido a importância da realidade como válvula de escape para a imaginação: confesso que fujo para o mundo real sempre que rêver [sonhar] Paris se torna insuportável para mim.

O outro é um tempo que não é cronológico, mas psicológico. Ele passa sem a mesma pressa do tempo do relógio e está diretamente ligado ao encantamento de estar em Paris. Em minha cabeça, seria algo como entrar num estado de êxtase, ser arrebatado para uma outra dimensão, para um outro ritmo de existência. Tudo se passa como se eu fosse lançado para dentro de um filme em câmera-lenta, no qual as coisas acontecem bem vagarosamente, em alguns casos, quase parando.

Experimentei o contraste dessa dupla temporalidade quando visitei o museu do Louvre. Cada tela, cada escultura, cada peça que eu via me raptava para seu próprio tempo e me fazia parar, como se cada uma desejasse o desaparecimento de todo o restante do acervo e me elegesse como admirador exclusivo para sempre. Nunca senti meus olhos tão cobiçados! Meu olhar deixava-se prender, entregava-se sem resistência à imobilidade do estado contemplativo. Contemplar uma obra de arte ali era como congelar a cena do filme de minha vista. E a cada congelamento de imagem, uma relação de amor entre mim e a coisa contemplada se estabelecia.

No entanto, o tempo do relógio continuava correndo, implacável como sempre, exigindo de mim que eu trocasse um objeto por outro, freneticamente, alucinadamente, irrefletidamente... E, a cada instante, eu era lembrado que meu tempo era dividido, que o amor não era único e nem poderia durar uma eternidade, que existem limites para tudo, até mesmo para as relações mais exclusivas. A cada instante, eu era forçado a mudar, a romper, a me afastar. Mudança: sinônimo de separação...

Dói sentir que esquecer o que passou é, às vezes, uma necessidade... Imagens tão marcantes no momento em que me impressionaram, mas que desaparecerão de minha memória mais cedo ou mais tarde, à medida que novas imagens forem enchendo minhas vistas insaciáveis pelo novo. Sim, porque no fundo sou eu que desejo mudar, acompanhando o tempo que me força a desejar a mudança. Nesse sentido, a mudança é necessária porque o desejo de mudar é inevitável, porque esse desejo surge mesmo que jamais o busquemos, pelo simples passar do tempo.

Museu: símbolo da memória... Mas também do esquecimento! As obras estão ali para serem lembradas como que para resistir à própria lógica do tempo, que desloca para trás tudo que não é presente. De qualquer maneira, fica a perplexidade. Como é possível não levar conosco para sempre o que chamamos de inesquecível? Como é possível que o belo não seja eterno e dure apenas enquanto nossas lembranças conseguirem retê-lo? São questões que, com o passar do tempo, vêm e vão.

O Louvre é imenso. Impossível ver tudo em um único dia. Não há tempo suficiente para isso, ainda mais sabendo que meu tempo mesmo se divide em tantos tempos de tantas obras. Mas uma das obras, talvez a que conte com maior número de admiradores que desejariam passar um tempo contemplando-a, chamou mais minha atenção: Mona Lisa. Não consegui me aproximar dela, como se vê pela foto ao lado. No entanto, a famosíssima tela de Da Vinci me fez pensar sobre o descompasso temporal que tenho experimentado.

Impassível, ela apenas observava o amontoado de gente tentando fotografá-la enquanto se acotovelam entre si o tempo todo. Mas, estranhamente, Mona Lisa não parecia exigir exclusividade, mesmo porque, eram tantos os olhos que se dirigiam a ela ao mesmo tempo que não seria possível uma relação com apenas um único escolhido. Assim, tive a impressão de que o tempo de amar aquela obra em particular não era incompatível com o tempo de amar todas as outras. Porque o tempo ali não era exclusivo. Era um tempo de todos, ainda que não fosse de ninguém. Porque, na verdade, o tempo todo naquele momento era única e exclusivamente dela.

É... Parece que o tempo que passei com Mona Lisa me fez pensar em muitas coisas!

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