quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Saudade

Meus amigos do deuxième étage estão curtindo esse vídeo, que me deixou numa nostalgia terrível...


Une nuit Parisienne (Paris by night) from manemos on Vimeo.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Doze meses (?!)

Acho que ainda não cheguei de viagem. Porque ainda me pego dizendo " no Brasil"... O que veio com as malas no avião junto com as roupas e com a saudade dos amigos que deixei em Paris foram alguns hábitos, como dizer "pardon" e cumprimentar as meninas com dois beijinhos. Além, é claro, da péssima mania de comparar tudo aqui com o que conheci na Europa.

Se tivesse voltado para São Paulo, se houvesse casa em São Paulo, talvez o choque não tivesse sido tão grande. Mas São Carlos, a casa de meu pai, o meu quarto de infância... Era como entrar numa máquina do tempo. Para dizer o mínimo: foi um estranhamento absurdo. Encontrei-me comigo mesmo no passado e não me reconheci. Quem fui eu? As lembranças que vinham à mente com cada objeto não eram mais familiares, muito embora os objetos fossem. Tudo igual, mas tudo diferente... Por um instante, fiquei dividido, senti que a memória que me constituía não era mais minha. De quem era então? Talvez, de um outro eu, estranho.

Meu primeiro dia no Brasil este ano foi frio, muito frio. Curiosa inversão: em São Carlos a grama amanheceu coberta de geada, enquanto em Paris amigos se queixavam do calor de mais de 30 graus! Ora, mesmo sabendo que aqui é inverno, não esperava encontrar temperaturas tão baixas. Era como se o frio europeu tivesse vindo comigo para me confundir, para me pregar uma peça. Pensei: não é só na Europa que a gente sente frio? E ainda: aqui a gente também sente solidão? E tristeza? E vazio? E também se sente estrangeiro? Sim, sim, tudo isso...

Quando deixei Paris, estava com blusa. Sentia frio. Só não foi mais frio porque os amigos tão queridos, "fofos", não deixaram. Mas quem os deixaria era eu, como num sonho que acaba quando a gente acorda. Acontece que, quando despertei na manhã seguinte, já em São Carlos, os sonhos inquietantes continuaram. Ainda o frio?! Sim, porém, com algo de novo: a experiência de rêver o sorriso do pai. E então, descobri que a gente pode sonhar acordado em qualquer lugar,  em Paris ou no Brasil. O que eu trouxe na mala dessa viagem foi mais que saudade de um tempo de sonho: foi a certeza de que esse outro eu, sempre estrangeiro, veio comigo. Talvez, outro fantasma para me atormentar. Mais um... E real, como num sonho. De todo modo, a vida continua, estrangeiramente, mostrando-me o novo de novo e de novo, como sempre...

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Au revoir


Este post eu precisaria escrever com calma, para contar as aventuras de meu último dia em Paris. Digo apenas que foi emocionante, porque passei com amigos muito especiais, dos quais me lembrarei com muito carinho. Afinal, esses amigos foram responsáveis por minhas melhores recordações deste período de quase um ano que fiquei por aqui.

Peguei água do Sena para levar de souvenir. Na verdade, uma encomenda. Mas não foi no Quai de Bourbon, como queria, e sim no outro lado da Île de Saint-Louis, no Quai d'Orléans. Foi a última coisa que fiz na rua em Paris, numa tarde linda de sol com céu azul. Teve até um fundo musical meio mágico quando estávamos indo embora e passamos em frente à Notre-Dame.


http://www.vagalume.com.br/abba/i-have-a-dream.html

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sobre o último


Passei meu último domingo parisiense em Montmartre. Tirei fotos nos arredores da Sacré-Coeur e do cabaret Au Lapin Agile, vi os artistas trabalhando, comprei lembranças, comi crêpe. Pois é, o "último" domingo... Mas não no sentido de uma série que termina, como se não houvesse a possibilidade de outros domingos em Montmartre. Mesmo porque, como todos me dizem, posso voltar a Paris no futuro. Aliás, agora - e só agora - estou convencido de que desejo isso profundamente.

Tenho vontade de voltar a Paris. Mas não apenas por razões acadêmicas ou culturais. Antes de tudo, quero acertar contas com a Cidade Luz no que se refere aos meus sentimentos. Quero encontrar uma Paris diferente dessa que vejo hoje: lugar cinzento e frio, onde experimentei muita tristeza e muita solidão. Quero uma relação com ela que não seja como a que vivi, para tornar possível uma nova representação de memória desse lugar, uma nova história, ainda que seja história da minha imaginação. Quero que ela seja como nos filmes, como nos sonhos, pois só assim poderei rêver Paris.

E quando eu voltar, espero ter a sorte de encontrar mais uma vez o Chico Buarque, revê-lo, como aconteceu na última quarta-feira, quando passávamos eu e Ely (minha ex-chefe do IPT de férias por aqui) pela pont Louis-Philippe na Île de Saint-Louis... Ou quem sabe eu tenha ainda mais sorte e encontre de novo meu próprio "eu". Se isso acontecesse, queria conseguir dizer algo mais que um simples "oi Chico", como fiz com o cantor brasileiro. Pois gostaria de acreditar que, no futuro, meu "eu" não fugirá novamente de mim se eu tiver algo interessante a dizer. Não queria me ver escapando de mim mesmo outra vez, como aquele homem tímido dos olhos verde-azulados, que se afastou tão depressa e tão desconcertado, voltando rapidamente a ser apenas mais uma de minhas lembranças de Paris.

Fui me despedir de Montmartre, lugar que guardo no coração. Não só por ser o cenário encantado de Amélie Poulain, mas porque é lá que sinto mais intensamente o espírito intrigante e apaixonante do chat noir. Lugar onde a memória luta contra o esquecimento acreditando na repetição de um mesmo que nunca é o mesmo. Como quando encontrei o mesmo Monsieur dos crêpes na rue Norvins, que não parecia ser o mesmo de um ano atrás. Porque desta vez ele falava, reclamava com seu colega de trabalho, demonstrava uma certa irritação ao atender as pessoas, ao passo que o Monsieur de um ano atrás era sereno e imperturbável naquilo que fazia, como um ser idealizado.

Não que o Monsieur dos crêpes que encontrei neste último domingo em Montmartre fosse mais "real" que aquele mesmo de um ano atrás. Pois, rigorosamente falando, não é possível comparar a realidade de coisas que existem apenas em minha memória. Na verdade, o problema sou eu mesmo, que insisto em buscar um "real" para além das minhas representações, dos meus souvenirs de Paris. Acho que é isso: o "real" é a realidade que imagino, como num sonho, e buscar algo que vá além disso é pura fantasia: Paris é um lugar imaginário, e só por isso é "real". Talvez esse seja o sentido de rêver a realidade, e tenho a forte impressão de que a minha realidade no Brasil vai me ajudar nisso, pois ela sim é a realidade "última". Mas, por enquanto, apenas aproveito - com alguma tristeza - meus últimos minutos em Paris.

domingo, 12 de junho de 2011

Onze meses

Não consigo escrever, só penso na volta ao Brasil (hoje faltam treze dias para a partida), sinto-me confuso... Acho que sei por que odeio viagens: é porque elas são inseparáveis das despedidas, e eu odeio despedidas. E agora, tenho que me despedir de Paris, esse lugar encantado e encantador - verdadeiro "sertão" - onde descobri um outro eu, onde me estranhei e me encontrei e me perdi em mim como nunca antes.

sábado, 11 de junho de 2011

Roma

A viagem a Roma foi uma experiência marcante. Talvez, por ser a última viagem antes de minha volta ao Brasil, ou ainda, pela alegria que encontrei na atmosfera humana daquela cidade.

Mas penso que há outra razão para ter gostado de lá. Uma espécie de "revelação": nunca antes havia ficado tão claro para mim que o trabalho da memória é como o trabalho do artista, que transforma a realidade bruta da pedra em representações do sentimento.

Vi muitas pedras em Roma, ou melhor, muitas ruínas, e todo aquele cenário me parecia uma grande representação do esquecimento. Palco do tempo passado, onde todas as coisas são necessariamente reduzidas ao nada de origem, de acordo com a vontade divina para com o homem: "porquanto és pó, e ao pó tornarás".

Contudo, encontrei em Roma os guardiões da memória: Michelangelo, por exemplo, que lutava contra a rígida ordem do universo com a fina delicadeza de sua Pietà e com a vivacidade apaixonante de seu Moisés. Emocionei-me porque o que vi naquelas obras não era apenas a matéria dura e fria da rocha, mas amor.

Um amor que, mesmo sendo tão bem representado na pedra, não poderia escapar do destino de todas as coisas humanas: arruinar-se, tornar-se ruína. E, no entanto, um amor que, justamente por não ser eterno, valeria o sacrifício de uma vida inteira pelo simples fato de poder existir, ainda que apenas por um único instante antes de voltar a ser pó.

Fiquei impressionado também com a volta de Roma. Porque nos dias que passei lá, experimentei um sentimento de saudade de Paris que só aumentava. Entre os italianos, senti-me como se estivesse no Brasil, com pessoas sorridentes e barulhentas, vestidas de maneiras as mais variadas e coloridas possíveis. No entanto, tendo que falar em inglês - ou português! -, sentia-me estrangeiro e ficava feliz quando ouvia alguém falando francês, mesmo quando eram esnobes, monocromáticos e mal-humorados, mesmo quando eram tipicamente parisienses...

Nunca fiquei tão feliz em estar de volta a essa cidade cinzenta e triste, cheia de gente chata e melancólica. Quando saí da estação do RER em frente à Cité Universitaire, não me sentia apenas "em casa", mas literalmente chez moi. Não quero dizer com isso que eu goste de coisas desagradáveis, mas é que só agora vejo um certo charme nessa ambiance tão única que até há bem pouco tempo tanto desgosto me causava. Chegar em Paris depois da viagem a Roma foi como redescobrir um amor que estivesse esquecido, em ruínas.

Chega a ser engraçado: somente agora, que estou prestes a deixá-la, é que começo a ver certas coisas em Paris. Por exemplo, a possibilidade do amor à maneira de Michelangelo: amor concreto, extraído da pedra antes de tudo virar pó. Mas, como sempre acontece comigo, é tarde demais... E, no final das contas (e no final de tudo), o que Paris me mostra é uma história - mais uma! - de desencontro. Em minhas lembranças, Paris será sempre o lugar dos amores impossíveis. O que não deixa de ter seu charme: enchantement...

sábado, 4 de junho de 2011

Gratte-papier


Quem me mostrou esse curta foi meu amigo Mauro Dela Bandera, no final do ano passado quando esteve em Paris. A história faz mais sentido para quem conhece o metrô daqui, onde os olhares se cruzam apenas indiretamente e as relações só acontecem na imaginação. Mas é possível que até mesmo quem não conheça ache o diálogo encantador (a tradução não é literal):

Lui: Les / regard / autour / son / sur vous / je / ne / peut / voir / votre / visage / mais / les / regard / parle
[Ele: Os olhares ao redor estão sobre você. Não posso ver seu rosto, mas os olhares falam.]

Elle: il ne / disent / rien / sur / vous
[Ela: Eles não dizem nada sobre você?]

Lui: hélas / je / était / le centre / avant / que / tu / ne / viens
[Ele: Infelizmente, eu só olhava para mim antes que você chegasse.]

Elle: rassure toi / je / va / partir
[Ela: Fique tranquilo: vou embora.]

Lui: non / bouger / pas / le stress / gronde / dehors / ici / il s'assied / c'est mieux / "Le ciel étoilé vaste, clair et paisible. C'est une magnifique nuit. Seule sur le toit de son immeuble, Eda est installée sur une chaise longue. Des notes de piano cristallines..."
[Ele: NÃO!!! Não se mexa. O stress ruge lá fora. Aqui, sentados, é melhor. "O céu estrelado, vasto, claro e pacífico. É uma noite magnífica. Sozinha no terraço de seu prédio, Eda está instalada sobre uma cadeira dobrável. Notas de piano cristalinas..."]

Elle: Je / par
[Ela: Vou embora.]

domingo, 22 de maio de 2011

Sertão (trecho de diário)

[...] Então, ela escreveu: « Está chegando a hora de você voltar. "Prepare o seu coração", como dizia o Geraldo Vandré. »

Ela citava "Disparada", que faz parte de sua história. Lembrei-me da música. Mas não na voz do Jair Rodrigues, e sim na de Zizi, que me agrada mais.



A versão de 66 é enraizada no contexto político da época: parece-me impossível ouvir Jair cantá-la sem pensar na crítica social escondida na letra. Mas eu, "estrangeirado" que sou, só me interesso pelo simbolismo do sertão.

Sertão: essa coisa que, como dizia Riobaldo, « está em toda a parte », mas que a gente, « querendo procurar, nunca não encontra ». Lugar de desencontro, de companhia impossível:

« Sertão é o sozinho. Compadre meu Quelemém diz: que eu sou muito do sertão? Sertão: é dentro da gente. »

Na resposta, escrevi: « Não tenho viola, mas venho de um "sertão" e tenho coisas pra contar. »

Mas sei que falar desse sertão é falar de coisas que só eu vi. Eu e mais ninguém. Coisas que, provavelmente, só serão compreensíveis para pouca gente. É porque « venho lá do sertão » que « posso não lhe agradar ».

« Assim, é como conto. Antes conto as coisas que formaram passado para mim com mais pertença. Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas - e só essas poucas veredas, veredazinhas. »

Conto o que vi em mim: que « a morte e o destino e tudo estava fora de lugar », mesmo sabendo que essa desordem é muito provavelmente apenas minha - minha e de mais ninguém. Mas é bem essa maldita desordem que me impede de « querer ir mais longe que eu » e que me joga de volta no sertão, « onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar ».

Viver é muito difícil...

[Citações de João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, pp. 4, 28, 134, 435, 541.]

sábado, 14 de maio de 2011

Dez meses

[Escrito na quinta-feira, 12 DE MAIO DE 2011]

Adiei este texto, não sei bem por quê. Na quinta-feira, faltavam quarenta e quatro dias para minha volta ao Brasil.

Não queria que fossem mais nem menos dias: quarenta e quatro está bom. Se bem que, às vezes, pego-me com uma vontadezinha de ficar mais tempo. Mas isso passa. É uma questão de tempo, como acontece com meus sentimentos de afeto: mesmo quando são intensos, mais cedo ou mais tarde eles passam. E minha relação com este lugar, esta cidade de sonho chamada Paris, é uma relação baseada em sentimentos de afeto. Os românticos diriam "amor".

Acho que é hora de partir. Porque vejo que Paris já começa a ficar invisível para mim: a cada dia, tenho que buscar novos caminhos para chegar aos mesmos lugares, porque tudo começa a ficar comum e perder o encanto, tudo começa a ficar indiferente. E o que percebo é bem isso: a despeito de minha vontade, parece inevitável que eu vá perdendo, a cada momento, um pouquinho do poder de enxergar o que, num passado não muito distante, havia sido um grande objeto de afeto, ou, como se costuma dizer, um grande amor.

A Paris que amo é a mesma Paris que, em pouco tempo, não verei mais. Assim como o sentido da visão, o amor é algo tão fundamental para a vida concreta e, ao mesmo tempo, tão fugidio, ilusório, enganador... Porque o amor me parece mesmo a fragilidade em essência: algo que posso perder com um simples fechar de olhos. Mas - que contradição! - como amar sem fechar os olhos? Metáforas do amor e de seus paradoxos. Não conseguir não esquecer o que gostaríamos que fosse inesquecível. É como a experiência de despertar de um sonho bom e querer continuar a ver, ao longo do dia, as imagens que a cada minuto se tornam mais fracas e apagadas, que mais cedo ou mais tarde não veremos mais.

Acho que a Paris que amo é isso: um não-lugar, entre a memória e o esquecimento.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A graça do esquecimento

Neste domingo, fui ao quatrième arrondissement visitar Pascal na Tour Saint-Jacques. Tinha na cabeça uma dúvida teológica, que surgiu quando me lembrei da seguinte passagem nas Escrituras:

"Porque eu lhes perdoarei a maldade e não me lembrarei mais dos seus pecados." (Hebreus, 8:12)

É uma das promessas do Novo Testamento, ou seja, para os cristãos: Deus promete se esquecer das falhas daqueles que crêem nele por intermédio de Jesus. Pois bem. Mesmo com coração descrente, eu queria saber do Pascal se ele achava que o esquecimento poderia ser um sinal da graça divina. Um sinal milagroso talvez, especialmente no caso de falhas impossíveis de serem esquecidas, humanamente falando...

Pascal não me respondeu. Mas desconfio que o próprio silêncio já era uma resposta, bem ao tom do pessimismo dos jansenistas, para quem um Deus desmemoriado seria inconcebível. Quanto a mim, saí de lá angustiado, atormentado de dúvidas e querendo em vão esquecê-las todas. Pensei: há coisas que me entristecem e que desejaria esquecer, mas não consigo.

Ora, não posso concordar com quem diz que é preciso lembrar dos erros do passado para não errar de novo no futuro. Porque lembrar dos erros que cometi é como carregar uma carga pesada demais nas costas, uma maldição. E não estou pensando em perdão: a questão não é essa, porque penso que o problema da culpa é meu, não do outro. A despeito do perdão do outro, queria apenas poder esquecer os meus erros, apagá-los definitivamente de minha memória, mesmo que, dessa maneira, eu acabasse cometendo os mesmos erros e os repetisse sempre, ad infinitum.

Esquecer para errar, errar de novo, errar sempre, cometer sempre os mesmos erros... Não vejo problema nisso, até mesmo porque não acredito em progresso moral. Progresso moral: idéia que me causa horror... Se para progredir moralmente eu tivesse que me lembrar de todos os erros - não apenas dos cometidos, mas de todos os possíveis -, eu seria uma pessoa atormentadíssima! Mais do que eu já me considero.

Melhor seria se eu pudesse errar sempre, e sempre cometer os mesmos erros. Porque, assim, eu sempre poderia me desculpar dizendo que era "a primeira vez". Então, tudo se passaria como se eu fosse sempre inocente. E quem se recusaria a perdoar um inocente? Seria perfeito... Em contrapartida, lembrar dos erros me parece terrível: é como se eu fosse sempre culpado, mesmo que o outro me perdoasse, ou mesmo que, durante toda a vida, eu nunca mais repetisse o mesmo erro. Tormento absurdo... Porque seria como se eu tivesse que ser culpado sempre para conquistar uma inocência que, em última instância, não existe.

Tem horas que tudo que eu queria era esquecer... tudo. Mas, infelizmente, não consigo fazer isso.

[Fotos: Só a primeira é minha - as outras duas são da Wikipedia.]

terça-feira, 12 de abril de 2011

Nove meses

Com tantos colegas partindo de volta para o Brasil, acho impossível não pensar em minha própria volta, agora tão próxima. Mas o que mais me aflige não é tanto o choque da readaptação que terei que enfrentar, seja com os prováveis conflitos que surgirão quando eu comparar as coisas "no Brasil" e "em Paris", seja com a angústia de não conseguir compartilhar a experiência bela e triste com aqueles que nunca moraram aqui. Aliás, espero que as pessoas me perdoem quando eu preferir ficar mudo: pois o silêncio será a saída para não parecer arrogante como um apóstolo da civilização, e também para não me frustrar tentando dizer coisas que simplesmente não fazem sentido para ninguém.

Na verdade, preocupo-me mais com as representações que farei deste tempo: temo que a Paris que conheci - sobretudo a Paris imaginária que encontrei dentro de mim - mude muito quando eu mesmo tiver que esquecê-la. Temo que, em minha memória, ela se transforme a tal ponto que eu não possa mais reconhecer em seus traços esse não-sei-quê de intimidade que hoje me parece tão real. Ou também (o que seria igualmente horrível), que Paris, enquanto lembrança de um período sombrio, torne-se mais um fantasma na galeria de fantasmas que habitam em meu eu interior: fantasmas que me assombram fazendo com que eu sinta a falta de algo que não sei o que é, ou deixando-me confuso ao repetirem idéias contraditórias, como que amor só é eterno depois que passa, ou que ele e o esquecimento são inseparáveis...

Em setembro do ano passado, escrevi um texto que sempre releio quando algum colega parte de volta ao Brasil. Nele, coloquei aquelas palavras mágicas que, especialmente nessas horas, encantam um pouco o mundo-dos-que-ficam, esse lugar da falta, da ausência e da saudade:

"Quero dizer-te adeus, e não posso, Montevidéu - pois até o olhar dos teus cavalos me está prendendo a ti. Mas, se eu ficar, talvez nunca mais os veja, porque o ofício humano é triste, e facilmente se vicia: os olhos deixam de ver o que estão vendo sempre, e o coração se acostuma - e esquece-o... - aquilo que se faz maravilha constante... Assim, para te amar, é melhor que te deixe." (Cecília Meireles, Crônicas de viagem, vol. I. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 147)

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Pedacinho

Ontem vi um pedacinho de mim citado discretamente num blog. Parece que rêver Paris* é um desejo meu que faz sentido para outras pessoas. Achei lindo esse registro de memória e, por um instante, a minha triste e sombria Paris se iluminou um pouquinho.

Sim, a luz, a luz! Vi a luz na Cidade Luz, de novo... O sentimento foi o mesmo de ver (ou rêver) os primeiros brotinhos verdes da primavera neste canto do Velho Mundo: encantei-me com os galhos secos que, no final de março, voltaram a vicejar. Não que Paris tivesse deixado de ser um lugar triste e sombrio, mas era como se essas pequenas coisas me fizessem esquecer dos momentos cinzentos da vida, como se elas tivessem o poder mágico de me fazer voltar a sonhar com luzes e cores.

Detesto clichês, mas talvez seja isso mesmo: o que importa na vida são as pequenas coisas. Justamente essas que, se a gente não prestar atenção, passam despercebidas, como se fossem invisíveis. Merci beaucoup.

terça-feira, 15 de março de 2011

Oito meses e três dias

Não. Não foi falta de disciplina. Dia 12 devia ser sagrado. Ele marca o tempo que passo em Paris. Eu até cumpri o rito do mês, escrevi umas besteiras, mas não quis publicar. Porque senti que o próprio passar do tempo havia se tornado indiferente e, portanto, perdido o sentido. É como na tela do Goya, "Saturno devorando seu filho", que vi no Museu do Prado.

Resolvi escrever agora, três dias depois. Mas poderia escrever após quatro, cinco, ou poderia escrever no dia 12 mesmo. Que diferença faria? O tempo continuaria passando, a despeito de mim. No final, Saturno devora tudo, até mesmo os sentimentos, como o amor ou a tristeza, que com o passar do tempo perdem o sentido, perdem-se na indiferença...

Perdas... O sentimento neste momento é justamente de perda: sinto que alguma coisa se perdeu. De novo, "quelque chose d'absent qui me tourmente". Mas tenho a impressão de que isso também vai passar: porque, por mais absurdo que pareça, todos sabem que é apenas uma questão de tempo.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O ano passado

Ler o que escrevi me leva ao encontro de um outro "eu". Não me reconheço no diário e nenhum fato me parece familiar. Será que vivi realmente tudo aquilo que as palavras dizem? Sentimento de estranheza... Quem é esse de quem falo quando digo que cheguei aqui no ano passado? Não sei ao certo... Talvez conheça-o de vista, talvez tenha lido algo dele... Pensando bem, acho que me esqueci. Esse é o problema: vivo me esquecendo. Por isso, não duvido que tudo que conto seja fictício e, nesses termos, que o discurso de minhas lembranças não passe de uma história inventada para preencher - necessariamente, desesperadamente - o vazio cavado em mim por meu próprio esquecimento.

- O ano passado em Paris, ele existiu?
- O ano passado? Não me lembro dele.
- Pergunto se o ano passado foi real.
- Real? Não sei se o esquecimento nos permite falar em realidade.

De repente, descubro-me um outro. E no diálogo que tenho comigo mesmo (lembrando que o mesmo nunca é o mesmo), tento me convencer de que o que aconteceu no ano passado é real, isto é, de que eu tenha vivido tudo aquilo que minhas palavras descrevem, ainda que a simples lembrança do ocorrido não seja suficiente para dissipar o sentimento de que, na verdade, estou sonhando. Como no filme do Alain Resnais, L'année dernière à Marienbad (1961), que conta a história de um encontro que ninguém sabe se aconteceu de fato. Um encontro que pode ter sido inventado pelo homem que tenta convencer a mulher disso, ou então, o que dá no mesmo (ou quase), um encontro que realmente aconteceu, mas que pode ter sido esquecido por ela.



[Obs: A foto lá em cima foi tirada em frente ao Orloj, o relógio astronômico medieval, que fica na Cidade Velha em Praga, capital da República Tcheca.]

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Sete meses

Fui a Madrid, talvez para buscar as cores do Almodóvar. E encontrei: nas paredes dos prédios, nas roupas das pessoas, no espírito da vida local. Senti uma espécie de alegria, provavelmente, efeito do sol da Espanha.

Mas junto aos vermelhos, aos verdes, aos laranjas e aos amarelos, havia os tons de cinza do Guernica, com suas sombras, com sua tristeza. E estava ali, pacificamente instalado no Reina Sofía, bem no meio do colorido de Madrid... Pareceu-me uma metáfora da vida.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Outra Paris

Parei de escrever, é verdade. E não foi por falta de tempo, nem de vontade, nem de tristeza. Aconteceram coisas, senti necessidade de contá-las, comecei três postagens, não consegui terminar nenhuma. Só depois entendi que estava em busca do indizível...

É como se houvesse em mim uma espécie de descompasso, um desencontro interior talvez, entre o desejo de falar e as palavras mesmas. Uma lacuna de minha memória escrita, digamos assim, onde se perderiam não apenas as palavras de meu desejo, mas também o próprio desejo, necessariamente. Pois muito embora eu queira escrever, jamais me contento com o que já foi dito, e, à medida que se acumulam as frustrações dessa busca inútil por palavras que não existem, mergulho progressivamente no silêncio em relação à vontade de narrar o período atual de minha história.

O que não deixa de ser paradoxal, pois é como se eu desejasse esquecer algo que eu mesmo desejaria considerar inesquecível. Ou ainda, como se eu não quisesse guardar em minhas lembranças os registros textuais de momentos marcantes, talvez únicos, com os quais um dia eu tanto sonhei e que sem dúvida me constituíram. Como se eu quisesse esquecer um grande amor...

Pelas coisas que venho dizendo, há quem pense que odeio este lugar. Mas não é nada disso! Sei que morar aqui é um privilégio. Além do mais, acho Paris uma cidade encantadora, seja pelo sentimento de estar vivendo uma ficção ao caminhar pelas ruas daqui, seja porque meus interesses pessoais e acadêmicos encontram-se, apesar dos pesares, profundamente ligados à chamada "civilização" francesa e, sobretudo, à "civilidade" dos parisienses. No entanto, tenho a firme convicção de que aquilo que busco de "essencial" está para além de tudo isso. Não é a exposição do Monet no Grand Palais nem os estudos na BnF e na Sorbonne que vão fazer com que eu me sinta feliz.

Daí a razão de eu dizer que em mim não há uma disposição - isto é, um estado de espírito - para apreciar e aproveitar toda essa riqueza cultural que me cerca e me oprime em Paris. Pelo menos, não em minha condição presente. Pensei em voltar para o Brasil, claro. Diversas vezes, aliás. Mas, ao mesmo tempo, sei que não posso fugir dessa situação. Pois, como já disse, meus fantasmas moram todos dentro de mim, e eles me seguiriam para onde quer que eu fosse. Por isso, decidi fazer como alguns filósofos: fugi para meu "eu" interior, para o mundo da minha imaginação, não tanto para enfrentar os mortos que me assombram, mas muito mais para tentar me encontrar, para me reinventar... E eis que comecei a pensar numa outra Paris.

Quero voltar aqui um dia, quando essa espécie de luto (ou será melancolia?) tiver passado. Quero reencontrar Paris, mas com outros olhos, com outro espírito, amando talvez para, quem sabe, mudar a visão tão deprimente que tenho deste lugar. Porque ainda que Paris continue a mesma de sempre, eu não serei o mesmo, e, justamente por isso, gostaria que ela aparecesse diferente para mim. Bela, mas não triste. Quero rêver Paris e me sentir feliz aqui. Porém, não quero a Paris dos outros: quero a minha, a Paris dos meus sonhos. E então, sem tristeza, poderei achá-la linda como nunca antes, como se fosse a primeira vez... de novo. Porque quero muito acreditar que o novo não pode ser dito a não ser nas repetições, de novo, de novo e de novo, sempre.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Seis meses

"L'Âge mûr", Musée Rodin, Paris
A foto é um detalhe de A idade madura, de Camille Claudel, no Musée Rodin em Paris. Essa escultura fala, entre outras coisas, de momentos de transição na vida, quando abandonamos o que nos segura num tempo e nos entregamos ao que nos espera num outro. Momentos de liberdade, é claro, mas também de resignação e dor, como tantos pelos quais somos obrigados a passar por força das circunstâncias. Absurdamente linda, mas triste, muito triste...

Debussy, Claire de Lune
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quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

No princípio era o Silêncio


"Il y a toujours quelque chose d'absent qui me tourmente."

"Há sempre algo de ausente que me atormenta", escreve Camille Claudel a Rodin em 1886. Intriga-me o que poderia ser essa ausência. Talvez fosse algo que a própria escultora não pudesse dizer. Ausência de palavras... Hoje, depois da aula na Cité des Arts, passei em frente ao número 19 do Quai de Bourbon, onde Camille morou e trabalhou de 1899 a 1913, quando então foi internada.

Lugar silencioso aquele. Os passantes não faziam barulho, andavam todos quietos, sérios, alguns até meio cabisbaixos. Era como se o silêncio ali fosse um sinal de respeito, de reverência, em consideração a tanta tristeza e solidão que ficaram gravadas com amor e loucura nas paredes daquele endereço. Diante da ausência de Camille, absolutamente nada a dizer.

Foi em silêncio que comecei o ano. Andei refletindo sobre algumas coisas que amigos me disseram. Mas só refletindo. Não estava pensando em respostas para eles. Pois sei que, no fundo, qualquer coisa que eu dissesse seria indiferente, inútil... Ou pior, poderia aumentar ainda mais os mal-entendidos. É a lição lógico-filosófica que aprendi com Wittgenstein: "Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar."

Disseram-me, por exemplo, que sou "pessimista", que o que escrevo "é complicado", que me preocupo "demais em querer sentir algo realmente especial", que pareço "desesperançoso" e em "estado de letargia", que sou um "bicho do mato", que sou "cínico", e até que eu estaria passando por uma "mudança de orientação filosófica". Sinceramente, acho que não é nada disso. Até senti vontade de me explicar, vontade de falar... Mas penso que falar mais do que eu já falei, depois de ter dito tudo o que eu poderia dizer, simplesmente não faria sentido.

Este blog era para ser uma espécie de caderno de campo, onde eu registraria as impressões do estágio que faço em Paris. Mas ele mudou um pouco e acabou ficando algo parecido com meu diário, inclusive no tom melancólico. Acho que a Helô está certa: eu escrevo com o coração. O que não deixa de ser um trabalho de tradutor. Sim, tradução, a partir do original em sentimentalês, língua que se fala não na Paris dos blocos de pedra construída por Haussmann, mas na Paris imaginária que encontrei dentro de mim.

Não desejava muito: só queria dizer meus sentimentos a um outro, esperando que esse outro me compreendesse... Mas agora percebo que isso talvez não seja possível. Porque falar sobre sentimentos é como conversar sobre religião: ninguém se entende e as discussões simplesmente não fazem sentido. O sentimento é como o dogma - ambos dizem respeito a "verdades" particulares que possivelmente ninguém mais poderá conhecer, ou que, mesmo que sejam conhecidas, nunca serão exatamente as mesmas. Isso me lembra a lição mais importante que aprendi nos tempos do curso de teologia: só Deus sabe o que se passa no coração de cada pessoa.

Mas agora, sem Deus, o que fazer com o desejo de dizer o que sinto? Quero dizer algo, quelque chose, mas dizer para quem? E, mais ainda, para quê? É preciso buscar um sentido, uma salvação. O salmista diz: "Se o Senhor não me socorresse, em breve a minha alma habitaria a região do silêncio." (Salmo 94:17). Perder-se no silêncio, salvar-se na Palavra. No princípio era a Palavra e a Palavra estava com Deus, escreve são João.

Porém, quando a Palavra não nos diz mais nada, quando ela mesma é oca de significado, quando não há mais nenhum encanto nas frases que ouvimos sobre sabe-se-lá-o-quê, resta-nos apenas o sentimento de estarmos perdidos no meio do vazio do silêncio, trazendo dentro de nós um outro vazio: o da ausência do que dizer. Il y a toujours quelque chose d'absent qui me tourmente... Ausência que não deixa de ser uma prisão, cela solitária, onde não podemos mais dizer o que quer que seja. Mas uma prisão onde não estamos mortos e da qual desejamos sair um dia em busca de algo que nos escapa, sempre. Desejo de encontrar o nome daquilo que nos falta. Isso até hoje não conheço ninguém que tenha dito tão silenciosamente quanto Clarice:


"No meu interior encontro o silêncio procurado. Mas dele fico tão perdida de qualquer lembrança de algum ser humano e de mim mesma, que transformo essa impressão em certeza de solidão física. Se desse um grito - imagino já sem lucidez - minha voz receberia o eco igual e indiferente das paredes da terra. Sem viver coisas eu não encontrarei a vida, pois? Mas, mesmo assim, na solitude branca e limitada onde caio, ainda estou presa entre montanhas fechadas. Presa, presa. Onde está a imaginação? Ando sobre trilhos invisíveis. Prisão, liberdade. São essas as palavras que me ocorrem. No entanto não são as verdadeiras, únicas e insubstituíveis, sinto-o. Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome." (Clarice Lispector, Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 73-74)