sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Fechar os olhos

Nos últimos dias, recebi vários e-mails de amigos do Brasil. Fiquei muito feliz em saber que alguns estão acompanhando este blog, e mais feliz ainda por sentir o carinho daqueles que queriam que eu contasse outras coisas além das publicadas.

Ontem, quando saí da Bibliothèque nationale de France às sete da noite (ou da tarde), voltei direto para casa. Não fui passear, como costumo fazer, porque queria escrever sobre esse "além". Palavra mágica que, pensava eu, me faria vencer a distância oceânica da saudade.

Estava no metrô, vindo de Quai de la Gare para descer em Denfert-Rochereau. Enquanto pensava, o sol bateu em meu rosto. Instintivamente, fechei os olhos. E, por alguns instantes, senti o corpo mais leve. As possibilidades pareciam ter aumentado, porque pela imaginação eu poderia abrir os olhos em São Paulo, encontraria meus amigos na USP, tomaria café com eles...

Ora, ora... Paris é um sonho, claro, mas um sonho real. Ao abrir os olhos, eu não estava no Brasil, obviamente. Continuava no metrô, rumo a Denfert-Rochereau, ainda em busca de palavras que, pronunciadas na ordem exata, pudessem me levar para além de meu próprio corpo.

Já em casa (ou melhor, na Maison du Brésil), lembrei-me de Clarice: "há impossibilidade de ser além do que se é - no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio, sou mais do que eu quase normalmente -; tenho um corpo e tudo o que eu fizer é continuação de meu começo".

Consolo na literatura. Se ela estiver certa, mesmo continuando a ser o que sou e a estar onde estou, poderia ir além de mim mesmo. Meu próprio corpo faria isso por mim nos deslocamentos que realizo rotineiramente em Paris. E nesse além, minha saudade encontraria um alento. Porque eu saberia que meu começo, o lugar originário (e longínquo) de onde saiu esse meu coração selvagem, é e sempre foi o Brasil.

Então, de um certo ponto de vista (pois em Paris tudo é essencialmente visual), naqueles poucos instantes em que fechei os olhos ontem no metrô, ultrapassei-me necessariamente. Fui além do que eu era. Mesmo porque, quando abri os olhos, já não era mais o mesmo de antes. Assim como não serei o mesmo de agora no dia em que voltar à minha terra natal.

Seria possível o retorno ao mesmo? Penso que não, porque o mesmo nunca é o mesmo. As coisas sempre mudam. As pessoas sempre mudam. Ainda que, em aparência, tudo permaneça exatamente igual.

Se fechasse os olhos, Paris continuaria bela? Questão filosófica que admite múltiplas respostas. Quanto a mim, que não sou filósofo - sou apenas um bolsista da CAPES em estágio de doutorado no exterior -, prefiro dizer que não sei. Mas sinto que, a cada vez que abro os olhos, Paris está um pouco diferente. 

Hoje preferi falar sem imagens. Achei que, dessa maneira, seria como ficar de olhos fechados. Mas pensei em uma trilha sonora. E, dado o teor deste post, considerei que a mais adequada seria esta:


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