domingo, 22 de maio de 2011

Sertão (trecho de diário)

[...] Então, ela escreveu: « Está chegando a hora de você voltar. "Prepare o seu coração", como dizia o Geraldo Vandré. »

Ela citava "Disparada", que faz parte de sua história. Lembrei-me da música. Mas não na voz do Jair Rodrigues, e sim na de Zizi, que me agrada mais.



A versão de 66 é enraizada no contexto político da época: parece-me impossível ouvir Jair cantá-la sem pensar na crítica social escondida na letra. Mas eu, "estrangeirado" que sou, só me interesso pelo simbolismo do sertão.

Sertão: essa coisa que, como dizia Riobaldo, « está em toda a parte », mas que a gente, « querendo procurar, nunca não encontra ». Lugar de desencontro, de companhia impossível:

« Sertão é o sozinho. Compadre meu Quelemém diz: que eu sou muito do sertão? Sertão: é dentro da gente. »

Na resposta, escrevi: « Não tenho viola, mas venho de um "sertão" e tenho coisas pra contar. »

Mas sei que falar desse sertão é falar de coisas que só eu vi. Eu e mais ninguém. Coisas que, provavelmente, só serão compreensíveis para pouca gente. É porque « venho lá do sertão » que « posso não lhe agradar ».

« Assim, é como conto. Antes conto as coisas que formaram passado para mim com mais pertença. Vou lhe falar. Lhe falo do sertão. Do que não sei. Um grande sertão! Não sei. Ninguém ainda não sabe. Só umas raríssimas pessoas - e só essas poucas veredas, veredazinhas. »

Conto o que vi em mim: que « a morte e o destino e tudo estava fora de lugar », mesmo sabendo que essa desordem é muito provavelmente apenas minha - minha e de mais ninguém. Mas é bem essa maldita desordem que me impede de « querer ir mais longe que eu » e que me joga de volta no sertão, « onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar ».

Viver é muito difícil...

[Citações de João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, pp. 4, 28, 134, 435, 541.]

Nenhum comentário:

Postar um comentário