quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"... é melhor que te deixe"

Este post eu queria escrever só no final de meu estágio em Paris. Mas como onde moro há sempre alguém voltando para o Brasil, fica difícil não pensar nesse momento dramático (e o adjetivo é esse mesmo) que é a despedida.

Não que voltar para o Brasil seja ruim: se fosse, o clima de saudade da terrinha não seria assim tão forte aqui entre os colegas da Maison du Brésil. O problema são os dois desejos contrários que lutam dentro da gente: tudo se passa como se, bem na hora da tão esperada partida, quiséssemos ficar só mais um pouquinho... É como se disséssemos: quero ir agora, mas ainda não (alguém se lembrou de Santo Agostinho?).

Imagino que muita coisa passe pela cabeça das pessoas entre a arrumação das malas e o embarque no avião. Sobretudo coisas que digam respeito ao que se viveu e ao que não se viveu durante os meses de residência no exterior. Talvez os sentimentos de orgulho e frustração se misturem, deixando-nos meio confusos e impedindo-nos de dizer objetivamente o que realmente desejamos. Mas o fato é que, nessa hora, todos se emocionam, tanto quem vai quanto quem fica.

Como dizia meu amigo zen-budista que foi embora no início de agosto, apegar-se às coisas ou às pessoas causa sofrimento, pois tudo nesta vida é transitório. Sábias palavras! Mas queria saber como ser mais desprendido na prática. Porque alguns hábitos parecem inevitáveis, pelo menos para mim: tiramos fotos, compramos lembranças, escrevemos no diário e choramos... Mania besta essa nossa de tentar reter o que jamais poderíamos possuir e de querer eternizar o que é necessariamente passageiro!

[Racionalmente falando, penso que não deveríamos sofrer tanto. Porque antes mesmo de chegarmos aqui, já sabemos que o período de estágio tem data marcada para terminar. Se pensarmos bem, não há motivo para chorar. No entanto, sei que nem sempre o sofrimento se explica pela razão: é como quando vivemos a experiência do amor e descobrimos em nós o estranho desejo de congelar o tempo, como se assim pudéssemos evitar a morte dos sentimentos e, de alguma forma, prender a pessoa amada para sempre.

Ora, como entender o coração, o sentimento? Como lidar com essas estranhas pulsões que, em nome do amor, nos levam necessariamente à frustração, ao sofrimento? Parece-me que a vida seria mais suportável se tivéssemos as respostas... Mas quem garante que buscar essas respostas não seja também outra fonte de desilusão? Quanto a mim, não consigo condenar aqueles que parecem ter perdido a razão ao negarem o inevitável. Em particular, sou solidário com todos os que negam o fim do tempo do amor. Porque, sendo honesto comigo mesmo, sei que, se eu amasse, também iria desejar que o amor durasse para sempre.]

Encontrei um texto - quase uma poesia - que descreve incrivelmente bem o que sinto vendo meus colegas partirem. É um trechinho de uma das crônicas que Cecília Meireles escreveu sobre as viagens que fez para Buenos Aires e Montevidéu em 1944. A idéia é meio paradoxal, porém, totalmente verdadeira: para continuarmos amando, é preciso estabelecer uma certa distância em relação àquilo que amamos. [Longe de ser fácil, parece mais uma questão de sobrevivência.] Acho que é exatamente assim que vou me sentir quando eu mesmo tiver que deixar Paris.

"Quero dizer-te adeus, e não posso, Montevidéu - pois até o olhar dos teus cavalos me está prendendo a ti. Mas, se eu ficar, talvez nunca mais os veja, porque o ofício humano é triste, e facilmente se vicia: os olhos deixam de ver o que estão vendo sempre, e o coração se acostuma - e esquece-o... - aquilo que se faz maravilha constante... Assim, para te amar, é melhor que te deixe." (Cecília Meireles, Crônicas de viagem, vol. I. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 147)

Um comentário:

  1. Ai que bela leitura matinal =)
    Nossa próxima tese pode ser sobre blogs, rs. Adorei e divido os meus sentimentos desse post.

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