terça-feira, 28 de setembro de 2010

Pensei no frio

A chuva que caiu durante toda a tarde de domingo parecia anunciar a chegada do frio na França. Não que eu não tivesse notado os sinais cada vez mais fortes nas últimas semanas: as folhas amarelas das árvores, os casacos elegantes das mulheres, o céu escuro já às oito da noite... Mas é que essa chuva de domingo foi diferente, pois ela me fez perceber mudanças que não estavam apenas na paisagem e que eram mais incômodas que a simples queda da temperatura.

Não tive vontade de sair. Poderia sair se quisesse, claro: era apenas uma chuvinha, um friozinho, e ali fora havia nada menos que Paris me esperando... Mas o clima ruim não passava de uma desculpa para ficar na Maison du Brésil, assim como mil outras desculpas que eu também poderia inventar: meus amigos não querem sair hoje, terei muitos outros domingos para passear, quero ler o Cortázar que comprei esta semana, etc.

Lá pelas seis da tarde, estava na cozinha do quarto andar preparando um café com minha amiga para espantar o frio. Olhava o cenário molhado da Cité Universitaire através da janela e, enquanto isso, pensava: que triste esse domingo em Paris! Porque o inverno ainda não chegou (aliás, o outono começou há menos de uma semana!) e já vejo as pessoas perderem a coragem de andar na rua... Eu mesmo, aqui dentro desse prédio, todo encolhido, sinto-me totalmente sem ânimo para sair de casa.

Ora, ora... Eu disse "casa".

Foi só hoje à tarde que percebi a mudança implicada nessa palavrinha: estava me referindo à Maison du Brésil como "casa". Por isso resolvi escrever este post. Dentro de mim, algo aconteceu a ponto de operar não somente uma tradução do nome do lugar, mas, mais do que isso, uma mudança afetiva em relação a este espaço físico que, desde julho, só consigo enxergar como uma espécie de hotel. Não se trata de uma questão de conforto (que tenho), mas de sentir-me "em casa": e como eu poderia me sentir em casa num quarto de hotel? O fato é que, de repente (apesar de saber que nada aconteceu de repente), era como se esta Maison - ou melhor, esta Casa - tivesse deixado de ser um prédio frio e se transformado num lugar de refúgio para mim: refúgio de um mundo gelado e úmido.

Creio na volta do verão: já vi esse milagre acontecer várias vezes e acho que posso ter esperança nisso (pelo menos nisso!). Ainda bem, porque o clima frio faz a gente pensar em coisas esquisitas como essas que escrevi aqui, muito embora eu tenha achado interessante essa experiência de pensar "friamente". De todo modo, lamento que minha casa, minha casa de verdade, eu ainda não saiba onde encontrar. Mas, enquanto não há nada a fazer a não ser esperar os meses de inverno passarem, fico mais tranqüilo por saber que, de alguma maneira e num certo sentido, estou protegido contra o mau tempo de Paris.

2 comentários:

  1. Thomaz querido, também pensei em falar sobre o frio, fui igualmente abatida por uma certa falta de ânimo. Porém, a diferença entre nós é que não terei tempo de pensar na Maison du Brésil como minha casa e já tenho de recomeçar todo o processo de adaptação novamente... Chatinho... Mas, já foi tempo suficiente para saber que sentirei saudades da convivência cordial daqueles que, como você, tão bem me receberam aqui! ;)
    Um beijo

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  2. Olá Borboleta!

    Espero que sua mudança seja tranqüila e que você não se aborreça demais com o processo de adaptação. Mesmo porque, se pensarmos bem, vivemos mudando de "casa" o tempo todo.

    Já acreditei que nossa verdadeira "casa" se encontrava dentro de nós mesmos, e que bastaria um esforço de auto-análise para nos sentirmos "em casa", ou, como dizem os franceses, "chez moi".

    Mas hoje, até isso me parece meio falacioso. Porque nem mesmo nosso mundo interior é tão estável a esse ponto. Mudamos o tempo todo, seja por vontade própria, seja pela necessidade das situações que vivemos.

    Muito embora eu tenha chamado a Maison du Brésil de "casa", esse lugar não é nem nunca vai ser minha casa de verdade. Por isso, não gostaria que você pensasse que estou numa situação mais confortável que qualquer outra pessoa. Assim como você, eu também me vejo em processo de adaptação comigo mesmo, continuamente.

    Mas enquanto não encontro uma resposta para essa questão existencial tão complexa, contento-me em chamar de "casa" qualquer lugar onde eu possa me abrigar do frio. Ops!... Será que soltei uma metáfora? Droga, não era essa a intenção!

    Beijos.

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