quinta-feira, 29 de julho de 2010

Coisas grandes e belas

A primeira impressão que tive de Paris era que tudo parecia "grandioso". E não foi somente quando vi a Torre Eiffel que achei isso. Logo que cheguei na Cité Universitaire e dei de cara com o portal de entrada, pensei: "Parece um castelo!" Na verdade, esse meu sentimento dizia respeito não apenas ao tamanho das construções, mas também à beleza delas. Aos meus olhos, tudo em Paris parecia grandioso porque tudo o que eu via, em seus mínimos detalhes, era belo e me encantava.

É claro que há a periferia, aqui chamada "banlieue", onde ficam as coisas feias dos parisienses. Aquela minha impressão de que eu estava em uma espécie de cenário de filme realmente faz sentido: o estúdio de gravação acaba quando começa a região que não se encaixa muito bem no debate sobre a identidade francesa, emplacado pelo Sarkozy. Mas, deixando política de lado, sou forçado a reconhecer que, pelo menos na região central da cidade, não é muito difícil achar bonito o cenário geométrico das ruas e dos bulevares, sempre com edifícios de fachadas regulares, além dos parques com grandes áreas verdes e dos imponentes prédios públicos. [A imagem acima foi retirada de: <http://parisbanlieue.blog.lemonde.fr>.]

Pelo que li sobre a arquitetura de Paris, essa beleza toda se deve ao projeto de reconstrução da cidade levado a cabo pelo Barão Haussmann, no século XIX, durante o governo de Napoleão III. Ora, não ignoro que a Paris que vemos hoje possa ter sido concebida de um ponto de vista eminentemente militar. Li que Haussmann pensou em facilitar a mobilização das tropas a fim de reprimir as barricadas, que sempre eram possíveis nas ruas irregulares da Paris medieval. Mas deixo essa questão para os especialistas discutirem. De minha parte, eu simplesmente não consigo negar que, mesmo assim, o resultado final me encanta os olhos e me faz ver beleza em toda parte.

Porém, grandioso mesmo é o palácio de Versailles. Construído a mando de Louis XIV, o "Rei Sol", tornou-se o centro do poder oficial da realeza na França em 1682, a partir do momento em que a Corte ali se instalou. Manteve essa imagem de morada do rei até o final do Antigo Regime, em 1789, quando os revolucionários tomaram o poder. [Vejam que as fotos não ficaram boas na minha máquina. Sugiro a quem tiver interesse que consulte a página "Palácio de Versalhes" da Wikipedia. Ali há fotos bem mais bonitas, além de muitas informações históricas.]

Nunca tive uma idéia muito precisa do que seria o palácio de Versailles lendo sobre os reis da França. Só imaginava um lugar bem grande e com uma decoração bastante luxuosa. Mas, ao pisar naquele lugar, minha mente pequeno-burguesa entrou em pane, e a primeira categoria que ficou abalada foi a noção de grandeza. Os ambientes internos do palácio não eram apenas grandes e luxuosos: eram absurdos. Não, aquilo simplesmente não poderia existir.


Os móveis finamente trabalhados, telas e esculturas expostas por toda parte, as paredes ornadas de tapeçaria de tirar o fôlego, o teto altíssimo e soberbo, sempre esculpido e pintado, e muitas vezes com castiçais monstruosos... Em particular, o salão dos espelhos me emudeceu e me fez viajar no tempo de volta ao século XVIII. Em minha cabeça, tudo se passava como se aquele lugar fosse mágico e eu tivesse entrado numa outra realidade, num outro planeta! Cenas e cenários literalmente majestosos se repetiam com variações as mais emocionantes nos incontáveis cômodos, sempre com enormes janelas de vidro que davam a vista para o jardim do palácio.

Ah, o jardim de Versailles... Outra coisa absurda de tão maravilhosa. Visão de sonho de tão perfeita: tudo geometricamente certinho. Sem palavras!

 
De todo modo, não me senti bem ali. Porque eu sabia que, no fundo, toda aquela beleza e grandiosidade era um exagero, um excesso, uma monstruosidade. A sensação de estar em um lugar absurdamente grande e absurdamente luxuoso me fazia pensar o tempo todo: como podiam morar aqui pessoas de carne e osso, mais ainda sabendo que, do outro lado das grades do pátio, havia gente morrendo de fome? Em vários momentos imaginei que Rousseau detestaria estar ali, presenciando tanta opulência de gente hipócrita, puxa-sacos do rei, que só sabiam viver de aparências. Argh!

A casa de Louis XIV não cumpria apenas a função de abrigo: antes mais nada, era um instrumento de ostentação de poder. A beleza ali também tinha uma função precisa: marcar a diferença entre os nobres e o povo. Uma beleza que discriminava e matava. Sim, uma beleza monstruosa, talvez parecida com a do cinturão mágico de Paris, que estabelece a dura separação entre o mundo da belle époque e a "perifa". Ah, como é terrível pensar que nossos juízos estéticos nem sempre nos ajudam a compreender a sociedade... Mas, assumindo meu burguesismo (eu seria hipócrita se não assumisse), Paris continua bela, independentemente de tudo!

Só o que me consolou desse passeio atordoante por Versailles foi encontrar as quinquilharias sendo vendidas em um dos cômodos do palácio. Ao lado de lembrancinhas de todo tipo, encontrei miniaturas de Louis XIV. Penso que o rei não ficaria muito contente em ver sua imagem tão ridiculamente reproduzida como souvenir. Mas, enfim, nem mesmo ele, que se achava tão grande, teria como impedir a força do capitalismo que começou a surgir após a Revolução. Talvez para ele, hoje, bastasse ser tão popular quanto os chaveiros de torrinhas Eiffel... De qualquer maneira, não o levei comigo porque achei absurdo um bonequinho daqueles custar 7 euros. Dar mais dinheiro para o rei? Nem pensar!

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Thomaz, tem sido interessante acompanhar tuas narrativas. Mas ando intrigada: por que te incomodam tanto os souvenirs? (rs)

    P.S. Removi o comentário anterior em virtude de um erro de digitação.

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  3. Oi Eva. Os souvenirs me incomodam porque fazem toda a grandeza de Paris parecer representável em forma de produtos comercializáveis. Como escrevi no post, as lojas de souvenirs fazem do próprio nome da cidade uma logomarca. É tirar todo o encanto das coisas "grandes e belas" que, ao que me parece, só mesmo ao vivo podem ser verdadeiramente apreciadas. Fico espantado ao ver as fotos e comparar com os originais: nunca é a mesma coisa. Mas, é claro, talvez seja a minha máquina que não é tão potente... Beijos.

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  4. Ok, Thomaz. Mas quando perguntei por que te incomodam tanto os souvenirs, acho que estava mesmo mais interessada em entender a razão de você ter selecionado isso, e não outro elemento, como objeto constante de suas observações, fotos e reflexões, aqui tornadas públicas.

    De modo análogo, pergunto, pensando no último post, as razões mais profundas da constância das referências à "civilização francesa".

    Claro que cada experiência é única, e viajar a passeio é distinto de aí chegar para residir por um ano. Mas sempre que te leio me voltam as imagens de Paris e com elas são, definitivamente, incômodos de ordens bem diversas que ainda trago comigo dos dias que por ai zanzei. Enfim, escrevo isso mais para justificar de onde partem minhas perguntas...

    Um beijo.

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