sábado, 24 de julho de 2010

A sociedade do riso

Fico impressionado com a quantidade de gente que se comunica em inglês em Paris. E pensar que, nas minhas aulinhas de francês no Brasil, sempre aprendi que não se deve falar "en anglais" na França! Mas, claro, são turistas, ou muitas vezes, estudantes, e Paris é uma cidade freqüentada por gente do mundo inteiro. Não haveria razão para me espantar ao ouvir esse idioma nestas bandas, por mais xenófobos que pudessem ser os franceses. Aqui mesmo na Cité Universitaire, onde moro, cruzo o tempo todo com esses seres "anglophones".

Em geral, ouço inglês - ou melhor, "anglais" - no metrô ou no RER (uma espécie de trem parecido como o metrô, mas que não se limita à região central de Paris). Não sou fluente na língua de Shakespeare, mas posso dizer que compreendo o suficiente para entender as frases e acompanhar um pouco os diálogos, ainda mais quando as pessoas falam bem. De certa forma, ouvir bom inglês me consola daquela horrível experiência de não entender o "inglesi" macarrônico dos italianos no aeroporto de Roma... Ah, mas quando se fala em francês, "les choses sont un peu plus difficiles"...

Hoje tive uma experiência interessante. Peguei um ônibus (pela primeira vez sozinho, fiquei orgulhoso de mim mesmo!) para vir da Bibliothèque de Sainte-Geneviève até Porte d'Orleans, que é próximo da Cité. E, como acontece em todo o sistema de transporte parisiense, ouvia-se dentro do ônibus uma voz que anunciava os nomes das paradas, o que imagino ser extremamente útil para os deficientes visuais. Aliás, essa preocupação social com os que não podem enxergar a beleza de Paris me comove, afinal, deve ser muito triste ser cego na Cidade Luz!

Mas o que me chamou a atenção ali, dentro do ônibus, era uma outra voz, de uma gravação, que informava os passageiros sobre os detalhes históricos associados aos lugares por onde o ônibus passava. Como meu ouvido francês é meio surdo (o ouvido brasileiro também é, mas isso eu conto em outra ocasião), não entendi quase nada. No entanto, percebi algo bem curioso: que a narração fazia as pessoas rirem. E, pelo pouco que entendi, pareciam ser piadas inteligentes, de um humor fino, sacadas elegantes ou coisa do tipo, que provocavam nos passageiros leves sorrisos e, vez ou outra, discretas trocas de olhares.

Era angustiante entender que passávamos diante da casa onde o escritor Ernest Hemingway morou nos anos que esteve em Paris e, no entanto, não ter a menor idéia sobre o que do Hemingway fazia as pessoas acharem graça. Nunca desejei tanto entender uma língua: queria ser fluente em francês só para participar daquele momento de descontração. Ou, pelo menos, queria compreender o francês como compreendo o inglês só para não me sentir tão excluído dentro daquele ônibus. E eu até notei, da parte de uma simpática senhora sentada à minha frente, um convite para ser incluído naquela sociedade do riso: pois sempre que o comentário da gravação terminava, ela olhava para mim e... sorria!

A primeira reação foi ficar sem graça, como um caipira. Mas depois comecei a sorrir de volta para ela. E o meu sorriso não tinha nada de dissimulação. De fato, era como se, através daquele meu sorriso, eu quisesse oferecer a ela minha companhia. Poderia ter dito: "Good evening, Madame! I would like to smile with you." Não sei se ela continuaria sorrindo, mas isso não importa. Meu sorriso já era, por si só, uma forma de falar uma mesma língua com aquela Madame, muito embora os motivos dos sorrisos fossem diferentes: ela sorria porque achara graça da gravação, eu sorria por causa do sorriso dela.

A despeito da frustração de não ter entendido o que todo mundo ali parecia entender (e muito bem), o episódio do ônibus me fez perceber o quanto a experiência do riso é complexa. Fiquei até com vontade de ler o livro do Bergson sobre o riso. Mas, o mais importante de tudo foi o fato de eu ter percebido que o riso pode ser um promotor de sociabilidade. Mesmo que essa sociabilidade seja baseada em uma comunicação sem palavras, em um único sorriso. E mesmo que esse sorriso não seja um "sourire", e sim um "smile". Porque o que vale mesmo é ver no outro uma companhia para os momentos alegres, e não saber se o idioma do local é "anglais" ou "french".

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