terça-feira, 20 de julho de 2010

Paris sob olhos selvagens

Odeio viagens. E aqui estou eu, disposto a relatar minha expedição a Paris.

Não sou antropólogo, mas tenho uma espécie de caderno de campo. Na verdade, trata-se do meu diário, onde registro minhas impressões nesse período de estágio doutoral que faço na capital da França.

Decidi tornar públicas algumas páginas de meus escritos privados. Em parte, porque isso já vinha acontecendo quando escrevia para os amigos brasileiros. Mas também, pelo fato de que escrever para um número maior de leitores me força a pensar em questões mais interessantes.

O detalhe peculiar dessa minha experiência de estranhamento é que, aos 36 anos de idade e quase com o título de doutor em filosofia, eu nunca havia viajado para fora do Brasil. E justamente essa “falha” de formação, que poderia ser vista como algo negativo em muitos aspectos, me dá algumas vantagens em relação aos meus colegas cosmopolitas.

Afinal, não sendo um caipira no sentido estrito da palavra nem uma pessoa com experiência internacional, poderia observar as coisas de um ponto de vista singular. Teria o privilégio de descobrir o novo, porém, com uma idéia mais ou menos precisa - pelo menos teoricamente - do que estivesse descobrindo. Seria como ver “ao vivo” aquilo que outrora só conhecera por meio de livros, filmes e relatos alheios, mas, ao mesmo tempo, sem aquele ar esnobe de quem acha tudo muito banal.

Evidentemente, coisas que somente um caipira de verdade poderia enxergar vão permanecer invisíveis para mim. Da mesma forma, eu jamais poderia ver como alguns de meus professores, que olham tudo com indiferença por acharem que nada mais de novo há para se buscar. Por isso, não me importarei se minhas percepções forem consideradas óbvias ou ingênuas, nem se fulano ou beltrano já disseram a mesma coisa. Não quero vislumbrar nada pelos olhos dos outros.

O que realmente vai contar para mim são as minhas próprias descobertas do mundo, ainda que isso implique, necessariamente, num certo egocentrismo. Apesar de passarem pela realidade “lá fora”, minhas reflexões serão voltadas tão-somente para meu próprio eu. Que ninguém pense então que as críticas que eu fizer à sociedade parisiense têm algo a ver com filosofia política! E qualquer semelhança com Rousseau será mera coincidência, eu juro.

Desejo elaborar as minhas próprias representações para os sentimentos e impressões que surgirem nesse período (se meu analista ler isto, ficará orgulhoso de mim!). Logo, nenhuma pretensão a objetividade científica por aqui, apesar de eu não ter como negar que, para mim, é impossível escrever a não ser de modo objetivo.

Nesse sentido, meus relatos não serão narrativas históricas, ainda que muitas vezes eu precise referenciar minha própria história, com datas, nomes e informações. Tampouco serão devaneios de súbita inspiração, incompreensíveis ou com referências implícitas, muito embora eu necessite, não raramente, escrever em estilo mais poético que prosaico para deixar falar meu coração.

Proponho-me escrever à medida que for vivendo o que eu tiver que viver nos próximos meses. Portanto, o que segue é uma surpresa, como aliás tudo na vida. E, da mesma forma como na vida, uma surpresa que, na verdade, eu já conhecia de antemão, mas que, nem por isso, deixará de ser nova para mim...

Proponho-me escrever estrangeiramente.

Um comentário:

  1. Sinto todas as suas palavras tocando um som num estilo excessivamente poético. Escuto a voz de seu coração em cada linha e, tendo conhecimento sobre o homem sensível que é, posso compreender o quanto expressar suas impressões lhe faz bem. Assim, por meio de seus relatos, pode estar presente aqui, como se estivéssemos sentados ouvindo suas estórias.
    Um dia, lhe falei sobre não ter medo de mudar de calçada, de procurar outros rumos. Lembra-se? Pois é, dessa maneira, somos arremessados a degustar as surpresas que a vida prazeirosamente nos oferece.
    Deguste-as, todas, uma a uma e vá nos contando, como se estivéssemos tomando mais um copo de cerveja.

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