quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sobre o último


Passei meu último domingo parisiense em Montmartre. Tirei fotos nos arredores da Sacré-Coeur e do cabaret Au Lapin Agile, vi os artistas trabalhando, comprei lembranças, comi crêpe. Pois é, o "último" domingo... Mas não no sentido de uma série que termina, como se não houvesse a possibilidade de outros domingos em Montmartre. Mesmo porque, como todos me dizem, posso voltar a Paris no futuro. Aliás, agora - e só agora - estou convencido de que desejo isso profundamente.

Tenho vontade de voltar a Paris. Mas não apenas por razões acadêmicas ou culturais. Antes de tudo, quero acertar contas com a Cidade Luz no que se refere aos meus sentimentos. Quero encontrar uma Paris diferente dessa que vejo hoje: lugar cinzento e frio, onde experimentei muita tristeza e muita solidão. Quero uma relação com ela que não seja como a que vivi, para tornar possível uma nova representação de memória desse lugar, uma nova história, ainda que seja história da minha imaginação. Quero que ela seja como nos filmes, como nos sonhos, pois só assim poderei rêver Paris.

E quando eu voltar, espero ter a sorte de encontrar mais uma vez o Chico Buarque, revê-lo, como aconteceu na última quarta-feira, quando passávamos eu e Ely (minha ex-chefe do IPT de férias por aqui) pela pont Louis-Philippe na Île de Saint-Louis... Ou quem sabe eu tenha ainda mais sorte e encontre de novo meu próprio "eu". Se isso acontecesse, queria conseguir dizer algo mais que um simples "oi Chico", como fiz com o cantor brasileiro. Pois gostaria de acreditar que, no futuro, meu "eu" não fugirá novamente de mim se eu tiver algo interessante a dizer. Não queria me ver escapando de mim mesmo outra vez, como aquele homem tímido dos olhos verde-azulados, que se afastou tão depressa e tão desconcertado, voltando rapidamente a ser apenas mais uma de minhas lembranças de Paris.

Fui me despedir de Montmartre, lugar que guardo no coração. Não só por ser o cenário encantado de Amélie Poulain, mas porque é lá que sinto mais intensamente o espírito intrigante e apaixonante do chat noir. Lugar onde a memória luta contra o esquecimento acreditando na repetição de um mesmo que nunca é o mesmo. Como quando encontrei o mesmo Monsieur dos crêpes na rue Norvins, que não parecia ser o mesmo de um ano atrás. Porque desta vez ele falava, reclamava com seu colega de trabalho, demonstrava uma certa irritação ao atender as pessoas, ao passo que o Monsieur de um ano atrás era sereno e imperturbável naquilo que fazia, como um ser idealizado.

Não que o Monsieur dos crêpes que encontrei neste último domingo em Montmartre fosse mais "real" que aquele mesmo de um ano atrás. Pois, rigorosamente falando, não é possível comparar a realidade de coisas que existem apenas em minha memória. Na verdade, o problema sou eu mesmo, que insisto em buscar um "real" para além das minhas representações, dos meus souvenirs de Paris. Acho que é isso: o "real" é a realidade que imagino, como num sonho, e buscar algo que vá além disso é pura fantasia: Paris é um lugar imaginário, e só por isso é "real". Talvez esse seja o sentido de rêver a realidade, e tenho a forte impressão de que a minha realidade no Brasil vai me ajudar nisso, pois ela sim é a realidade "última". Mas, por enquanto, apenas aproveito - com alguma tristeza - meus últimos minutos em Paris.

3 comentários:

  1. Caro Thomaz, junto contigo vai um pouquinho da minha Paris também. Assim como as partes já partidas, levadas por outros queridos que, como você, fizeram parte das minhas impressões aqui. Apesar do afastamento dos meses derradeiros, quero agradecer por seu apoio na minha chegada e pela amizade gratuita. Adorei ter te conhecido! Não sei se conseguiremos no ver antes do seu retorno, mas acho que nos reencontraremos no Brasil... Um forte abraço e sempre: à bientôt mon cher ami!

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  2. Que post mais legal, Thomaz! Adorei!

    Chegou em SP na geada mais braba, mas com um céu azul muito lindo. Seja bem-vindo! :o)

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