segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Sobre coisas que passam


O Natal passou. Passou como tudo na vida. E o ponto é exatamente esse: tudo passa. Tudo, tanto o que queremos que passe quanto o que gostaríamos que fosse eterno. É um pouco difícil de explicar, talvez seja chocante para alguns, mas o que sinto neste pós-Natal em Paris é - isso hoje já não dói dizer - uma profunda indiferença. Mesmo tendo sido um Natal bem diferente, talvez único para mim, não consigo deixar de sentir que o que passou é indiferente, que foi apenas mais um momento único, especial, inesquecível etc. dentre tantos momentos únicos, especiais, inesquecíveis etc. que passam na vida.

Sei que, a rigor, o que vivi este ano não pode ter sido indiferente. Afinal, foi um Natal em Paris! Quantos outros passarei por aqui? Talvez mais nenhum. A todo instante sou lembrado do privilégio de morar neste lugar: a capital das luzes e da civilização. Sinto todo o peso de ser um aspirante ao mundo da filosofia acadêmica, para quem esse ambiente onde se respira cultura 24 horas por dia deveria ter muito significado, muito valor... Talvez eu devesse achar este Natal que acaba de passar o mais feliz de toda minha vida...

Sim, talvez. Mas, sinceramente, não penso que seja nada disso. E para ser bem sincero, desejei que este Natal passasse bem rápido, que acabasse logo, como se assim eu pudesse abreviar minha tristeza e me sentir melhor. E o Natal passou, talvez não tão rápido quanto eu gostaria, mas passou. Eu deveria até ter ficado feliz por causa disso. Mas não fiquei, porque sei que o Natal teria passado mesmo que eu tivesse desejado que ele durasse para sempre. E, nesse caso, eu me consolaria tentando me convencer de que, apesar de ter passado, foi um momento único, especial, inesquecível etc., e que eu deveria ficar feliz por isso.

No fundo, eu sempre deveria ficar feliz por qualquer coisa. Porque há sempre um ponto de vista positivo para tudo. Sei disso. Ainda mais nessa época do ano, quando costumo receber muitos cartões eletrônicos com mensagens cheias de otimismo, que me estimulam a ver as coisas positivamente, e que me lembram o tempo todo que eu deveria me sentir feliz... De um certo ponto de vista, é claro.

Mas o que eu sinto de fato, que nem sempre corresponde àquilo que eu deveria sentir, é algo meio absurdo nesses tempos em que os livros de auto-ajuda fazem tanto sentido para tanta gente. No fundo, tenho medo de perder meus objetos de amor, os quais eu desejaria que nunca tivessem passado. Confesso: fico triste com a possibilidade de esquecer os amores do passado. E o paradoxo é que, se por um lado aquilo que amamos é inesquecível, por outro, tudo que passa - tudo mesmo, até o que amamos - se torna necessariamente esquecível. Para ser coerente, então, deveria me sentir ao mesmo tempo feliz e triste.

A Bíblia afirma que "o amor não passa" (I Coríntios 13:8). Não acredito. Se o amor não passasse, não precisaríamos nos lembrar dele. É preciso lembrar-se sempre do amor para amar. Pois tudo se passa como se, sem memória, o amor simplesmente não pudesse existir. Para amar, é preciso dizer que aquilo que amamos é "inesquecível", ou seja, que continuaremos nos lembrando do amor mesmo que ele seja coisa do passado.

Pois se o amor não for passado, isto é, se não submetermos o objeto amado à dura prova do esquecimento, como poderíamos amar? Mas, ao mesmo tempo, que prova mais dura é essa! Porque, diante do esquecimento, o amor corre o risco de não sobreviver, deixando em seu lugar apenas indiferença... Afinal, tudo passa, tudo tende ao esquecimento, e tudo que esquecemos se torna indiferente, mesmo que algum dia tenha sido para nós inesquecível. Para podermos lembrar, é preciso que também possamos esquecer. E, no fim, o amor é como disse um poeta português: "tão contrário a si".

Lembrei-me de "Hiroshima mon amour" (1959). Filme que amo do Alain Resnais, e que, só por isso, considero inesquecível. A história é sobre o lugar do amor entre a memória e o esquecimento. As falas foram escritas pela Marguerite Duras, e uma delas tem tudo a ver com o que pensei para escrever este post:

O homem (Lui) diz para a mulher (Elle): "Daqui a alguns anos, quando eu tiver esquecido você e outras tantas histórias como esta que, ainda pela força do hábito, acontecerão, eu me lembrarei de você como do próprio esquecimento do amor. Eu pensarei nesta história como no horror do esquecimento. Eu já sei disso." (Marguerite Duras, Hiroshima mon amour. Paris: Gallimard, 1960, p. 105)

4 comentários:

  1. Você se preocupa demais em querer sentir algo realmente especial e está deixando passar as oportunidades. Deixe fluir os sentimentos. Um professor de filosofia da Unesp certa vez disse em uma palestra: "Quem pensa por pensar fica impossibilitado de agir. Quem age por agir fica impossibilidado de pensar." Que tal encontrar um meio termo para sofrer menos com o cotidiano? Akemashitê omedetô. Hiro

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  2. Ainda bem que desta vez você recorreu a um "professor de filosofia da Unesp", senão eu não conseguiria te levar tão a sério. Hummm, acho que já li essa coisa do "meio termo" em algum lugar, talvez seja em Aristóteles... Vou estudar melhor, depois te conto! Um abraço.

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  3. O nome do professor é Celstino Alves da Silva Júnior. Hiro

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  4. Este ano pensei, e às vezes de tanto sentir, não consegui pensar, sobre amor e esquecimento...Texto lindo! Bjos de quem adora passar por aqui.

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