domingo, 12 de dezembro de 2010

Cinco meses


"[...] E aí vem aquele sentimento de que tudo o que eu poderia dizer já foi dito, de que agora tudo que eu disser será repetição, como ecos de discursos de outros tempos e lugares. Como se só o que restasse fossem repertórios de palavras usadas, que nunca mais serão pronunciadas com a magia da primeira vez."

Melhor, então, que o eco seja de Clarice:

"Ando, deslizo, continuo, continuo... Sempre, sem parar, distraindo minha sede cansada de pousar num fim. - Onde foi que eu já vi uma lua alta no céu, branca e silenciosa? As roupas lívidas flutuando ao vento. O mastro sem bandeira, ereto e mudo fincando no espaço... Tudo à espera da meia-noite... - Estou me enganando, preciso voltar. Não sinto loucura no desejo de morder estrelas, mas ainda existe a terra. É porque a primeira verdade está na terra e no corpo. Se o brilho das estrelas dói em mim, se é possível essa comunicação distante, é que alguma coisa quase semelhante a uma estrela tremula dentro de mim. Eis-me de volta ao corpo. Voltar ao meu corpo. Quando me surpreendo ao fundo do espelho assusto-me. Mal posso acreditar que tenho limites, que sou recortada e definida. Sinto-me espalhada no ar, pensando dentro das criaturas, vivendo nas coisas além de mim mesma." (Clarice Lispector, Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, pp. 71-72)

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