quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Bricolage


De tanto ir à Biblioteca Nacional pelo mesmo caminho, já não vejo mais o próprio caminho. É como se, nos 25 minutos do trajeto de RER e metrô até Quai de la Gare, os mesmos lugares que há poucos meses cativavam tanto meus olhos tivessem deixado de existir. Pura ilusão, é claro. Sei que os lugares continuam lá, e que agora eles se escondem de mim, misturando-se ao "invisível das coisas comuns", a tudo aquilo "que não vi" e que só percebo "tarde demais". Porque, como disse a poetisa, "os olhos deixam de ver o que estão vendo sempre".

Mas... Hummmm... Já ouvi isso antes. Seria um "eco"? Quem sabe, "auto-análise"?! Ou, simplesmente, confissões... Acho que, para variar, estou contando mais uma vez a "mesma história". Variações sobre o mesmo tema.

Ora, sei que "o mesmo não é o mesmo, jamais". E que bastaria "um empenho de rememoração constante" daquilo que não posso esquecer para poder lidar com "souvenirs que obscurecem à medida que o tempo passa". Poderia então construir uma "representação da memória" que me ajudasse a não sentir "saudade daqueles primeiros momentos de descoberta do amor". Faria tudo com a certeza de que "as estações não se repetem" porque "cada fato é singular" e "os brotos da primavera despontarão pela primeira vez em toda a história". Poderia até voltar a "ver e rêver o mesmo como se fosse novo de novo e de novo...". Poderia voltar a amar, e depois, amar "de novo... e sempre".

Porém, percebo que até isso é uma "repetição". Para falar "novo de novo", sou forçado a recorrer a "ecos de discursos de outros tempos e lugares". E aí me lembro que, em Paris, tudo me parece "assustador". Eu "sinto o medo", sobretudo dos mortos, e tudo que faço é fugir: "vivo fugindo de fantasmas". Além disso, estar em Paris me faz sentir "culpa de ter ido longe demais". Daí que, às vezes, eu precise enfrentar a "vontade de voltar para o Brasil", muito embora eu saiba que "não poderia escapar de mim mesmo e, por conseguinte, de toda a realidade que, por alguns instantes, eu gostaria de esquecer". Não adianta "fechar os olhos", pois os fantasmas, esses mortos dos quais fujo, na verdade "habitam todos dentro de mim".

"Ainda não sei quem sou". Sinto-me "estrangeiro", "selvagem", "triste". Mas talvez não seja nada disso. Afinal, são tantas as minhas incoerências, minhas "descontinuidades"... No fundo, sou apenas alguém que insiste em montar o próprio "quebra-cabeça", mesmo sabendo que as peças "não têm ligação necessária entre si". Por isso, "a cada movimento tenho medo de descobrir que a tão desejada cadeia invisível responsável por amarrar as coisas soltas de meu universo na verdade não existe". Mesmo assim, "deslizo, continuo, continuo... Sempre, sem parar, distraindo minha sede cansada de pousar num fim". Como se eu ainda fosse "um crente de verdade", "como se eu confiasse num final feliz".

O Natal se aproxima. Este ano, será absolutamente novo para mim, por causa da neve. Neve e Natal: nunca vi combinação mais "bela e triste". No entanto, tenho a impressão de já ter visto esse filme antes. É como se fosse "uma surpresa que, na verdade, eu já conhecia de antemão, mas que, nem por isso, deixará de ser nova para mim". E, em meio às velhas novidades, vejo aquelas que nos fazem "acreditar em coisas que não existem". Refiro-me aos encontros (ou desencontros?) com "seres iluminados e iluminadores", como poetisas e borboletas, que possuem a sabedoria das palavras e dos gestos mágicos que encantam e enchem de sonhos o "vazio infinito que sinto existir dentro de mim".

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