segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Violência

Na quinta, na sexta e no sábado, os compromissos acadêmicos foram muitos, e tive que enfrentá-los todos, sozinho. Nesses dias, não consegui arrastar ninguém comigo como já havia feito antes. De repente, encontrei-me no meio de franceses sem nenhum outro brasileiro para me fazer companhia. Era como se estivesse sem referência... Por alguns instantes, tive que esquecer meu idioma nativo e falar tudo em uma língua estranha. Não era a primeira vez, mas nesse curto período as coisas aconteceram como num turbilhão. Não pude escapar daquilo que me engolia. Tudo muito intenso, rápido e vertiginoso.

Tive que fazer-me entender, mesmo quando eu mesmo não sabia bem o que estava dizendo. Nesses momentos, mais do que nunca, senti toda a minha dificuldade para manter uma conversação, pois não conseguia seguir o fio das discussões de maneira inteligente e interessante, e muito menos acompanhar as piadas, que sempre me escapavam. Meu riso, quando não era dissimulado, expressava o constrangimento de quem não pode oferecer uma genuína gargalhada para legitimar a própria presença no grupo ao qual se deseja pertencer.

Não digo essas coisas para parecer vítima da situação: trata-se apenas de expressar, de uma certa forma, o sentimento de solidão - e também o de estrangeiro - que experimentei. Sentimento de ter diante de si um "vasto deserto do mundo", como disse Saint-Preux, personagem de um famoso romance do século XVIII, ao relatar suas primeiras impressões da sociedade parisiense...

Felizmente, no final, fiquei satisfeito com minha performance. Fiz apenas o que tinha condições de fazer para desempenhar meu papel de civilizado, mas penso que representei razoavelmente bem minha persona... Apesar de não haver quem me socorresse nas horas de insegurança diante daqueles estranhos, consegui dar provas de que, em alguma medida, poderia responder por mim mesmo às indagações que me eram feitas. Falei, sim, falei. Talvez, até mais do que deveria. Afinal, eram professores, alguns dos quais, ilustríssimos. Mas não poderia não falar com eles: era o que todos cobravam de mim. Era o preço a se pagar para estar ali, naquele convívio social na Sorbonne e na École Normale.

Não, esses estranhos não eram "maus". Pelo contrário. Foram todos extremamente gentis comigo, atenciosos, simpáticos mesmo. No entanto, mesmo com tanta simpatia e gentileza, havia algo que me pesava, uma espécie de violência. Porque, por um lado, o silêncio nas rodas era proibido, e por outro, havia a cobrança por uma certa atuação social. No fundo, tudo não passava de um jogo estruturado por regras de conduta: ou seja, sociedade. E a violência de que falo diz respeito àquela demanda de energia para se jogar o jogo, para manter as relações, ou, ao menos, para sustentar as conversas. Uma violência sem a qual as próprias relações humanas, ao que me parece, não poderiam existir.

Tentei escrever algumas coisas sobre isso. Mas estava tudo muito filosófico, horrível... Apaguei, porém, não sem um certo incômodo. Porque o sentimento dessa violência é muito marcante e muito difícil para mim, e ainda não consegui dar uma boa representação para ele. Na verdade, já sentia algo dessa violência (no sentido acima) antes, no convívio normal com as pessoas de meu cotidiano no Brasil. Mas aqui em Paris, nessa sociedade estranha em que sou permanentemente deslocado para fora de meu próprio eu, a percepção da violência das relações humanas ganhou uma dimensão incrível: chega a ofuscar meus olhos e a fazer doer meu coração.

Não sei terminar de escrever isso. É tudo muito difícil, muito difícil...

2 comentários:

  1. Acho que eu também sinto esta violência a qual você se refere...

    bjo

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  2. FALA

    Tudo
    será difícil de dizer:
    a palavra real
    nunca é suave.

    Tudo será duro:
    luz impiedosa
    excessiva vivência
    consciência demais do ser.

    Tudo será
    capaz de ferir. Será
    agressivamente real.
    Tão real que nos despedaça.

    Não há piedade nos signos
    e nem no amor: o ser
    é excessivamente lúcido
    e a palavra é densa e nos fere.

    (Toda palavra é crueldade.)

    [In: Orides Fontela, Poesia reunida (1969-1996). São Paulo: Cosac Naify, 2006.]

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