Ler o que escrevi me leva ao encontro de um outro "eu". Não me reconheço no diário e nenhum fato me parece familiar. Será que vivi realmente tudo aquilo que as palavras dizem? Sentimento de estranheza... Quem é esse de quem falo quando digo que cheguei aqui no ano passado? Não sei ao certo... Talvez conheça-o de vista, talvez tenha lido algo dele... Pensando bem, acho que me esqueci. Esse é o problema: vivo me esquecendo. Por isso, não duvido que tudo que conto seja fictício e, nesses termos, que o discurso de minhas lembranças não passe de uma história inventada para preencher - necessariamente, desesperadamente - o vazio cavado em mim por meu próprio esquecimento.
- O ano passado em Paris, ele existiu?
- O ano passado? Não me lembro dele.
- Pergunto se o ano passado foi real.
- Real? Não sei se o esquecimento nos permite falar em realidade.
De repente, descubro-me um outro. E no diálogo que tenho comigo mesmo (lembrando que o mesmo nunca é o mesmo), tento me convencer de que o que aconteceu no ano passado é real, isto é, de que eu tenha vivido tudo aquilo que minhas palavras descrevem, ainda que a simples lembrança do ocorrido não seja suficiente para dissipar o sentimento de que, na verdade, estou sonhando. Como no filme do Alain Resnais, L'année dernière à Marienbad (1961), que conta a história de um encontro que ninguém sabe se aconteceu de fato. Um encontro que pode ter sido inventado pelo homem que tenta convencer a mulher disso, ou então, o que dá no mesmo (ou quase), um encontro que realmente aconteceu, mas que pode ter sido esquecido por ela.
[Obs: A foto lá em cima foi tirada em frente ao Orloj, o relógio astronômico medieval, que fica na Cidade Velha em Praga, capital da República Tcheca.]
Encontrei seu blog por acaso, pesquisando França que conheci há 2 semanas atrás. Comecei a ler e me empolguei, você escreve muito bem. O tempo passa rápido, logo verás que tudo foi lição e proveitoso. Abç Hideko.
ResponderExcluirFiquei com vontade de ver o filme do Alain Resnais que você menciona aqui...e procurando informações sobre ele, só agora eu me dei conta de que é ele é o diretor de Coeurs (nem sabia que se chamava assim em francês), o "Medos privados em lugares públicos". Pensei muito neste filme outro dia...Lettícia.
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