quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Três meses

Parque Montsouris
Mais um dia 12. Confesso que está passando mais rápido do que eu esperava. Que bom... Ou melhor, pas mal, como se diz por aqui.

Hoje começou a greve dos trabalhadores contra a reforma da previdência na França. Sabendo que o transporte público estaria parcialmente paralisado e que haveria muitos protestos nas ruas (as "manifs"), decidi trabalhar em casa mesmo. Estranho estar perto desse fato internacional, que agora é nacional para mim. Enquanto isso, no Brasil, Dilma e Serra disputam o segundo turno da eleição para presidente, que acompanho de longe e com uma certa aflição.

Mas, enfim, estou aqui, trabalhando no doutorado em condições excepcionais, como jamais teria no distante Brasil.

Depois de sofrer o dia inteiro tendo que ler um texto chatérrimo para a tese (Lettres écrites de la campagne, de Jean-Robert Tronchin), saí no final da tarde para correr pelo parque Montsouris, que fica bem em frente à Cité Universitaire. É um lugar muito especial para mim. Não apenas pela paisagem lindíssima, que inclui uma pequena cachoeira e um bucólico lago com patos, mas também por ter sido ali que, pela primeira vez, percebi ser possível algum tipo de sociabilidade com os parisienses. Explico.

Logo após aterrisar em Paris, sentia-me zonzo devido ao cansaço da viagem e à diferença de fuso. Cheguei a passar mal no primeiro dia, de tão atordoado que estava com o choque da mudança. E não foi só o corpo que estranhou: lembro-me da confusão mental que sofri por achar tudo ao meu redor estranho e assustador. Decidi então correr, já que era isso que eu fazia desde a separação para não me deprimir. E deu certo: o mal-estar foi diminuindo à medida que eu corria e via outras pessoas que também corriam. No final, não sei o que me ajudou mais: a atividade física ou a interação social.

Os outros corredores pareciam próximos. Era como se fossem brasileiros só pelo fato de estarem correndo. Esquisito, eu sei, mas não consigo explicar melhor. Era uma ação comum, ou talvez, uma linguagem comum - a corporal - que, a despeito das diferenças de língua e civilização, tornava as pessoas estranhas menos estranhas. Talvez pensassem o mesmo de mim... Interessante essa identificação pelo corpo, ou melhor, pela linguagem do corpo... (antropólogos, me expliquem!) Isso aconteceu no parque Montsouris. Foi uma transformação importante do ponto de vista psicológico. Por isso acho esse parque tão especial.

O parque Montsouris também ficará em minha memória como um lugar de filme. Pelo seguinte motivo.

Por um feliz acaso, assisti ontem Paris, je t'aime (2006). Queria rever os lugares nos quais as histórias acontecem. Já havia feito isso com Amélie Poulain para rever Montmartre. Mas, no caso de Paris, je t'aime, a experiência foi muito mais forte, mesmo porque quase todos os arrondissements estão no filme. Parecia mágica: aqueles cenários, que antes eram absolutamente indiferentes, haviam se transformado em locais familiares aos meus olhos.

E, de fato, mesmo os pontos mostrados que ainda não conheço poderiam se tornar concretos para mim muito facilmente: bastaria um mapinha na mão e alguma disposição para andar. Os detalhes das ruas e dos prédios, o metrô, as roupas dos personagens, as situações e, até mesmo, o clima meio melancólico, tudo isso havia deixado de ser ficção ou cenografia. Em Paris, sinto-me realmente em um filme francês, como se a realidade mesma fosse cenográfica ou como se eu estivesse na própria projeção em uma cena do Truffaut ou do Resnais. Experiência única, que eu simplesmente não consigo imaginar como poderia viver a não ser do lado de dentro da tela, isto é, na própria Cidade Luz.

Tudo isso para dizer que a última história do filme, a da turista americana que relata sua viagem solitária a Paris, termina no parque Montsouris. E foi naquele lugar encantador - resisto muito a usar a palavra "místico" - que a mulher viveu a experiência interior indescritível, traduzida por ela mais ou menos como um sentimento de déjà vu e uma mistura de alegria e tristeza. Ali, sozinha, longe do trabalho e dos conhecidos, a relação distante e sem vida que a mulher tinha com Paris se transformou em uma relação de amor. E, por causa desse amor, ela se sentia viva. Uma história singela e emocionante, como, aliás, quase todas as histórias do filme. Mas essa, em especial, me emociona mais. Porque, apesar de ser outra história, não deixa de ser a minha história em Paris. Como na música do filme, estamos todos sempre "na mesma história".

A música "La même histoire" (que é linda) pode ser ouvida com a tradução da letra neste site: http://letras.terra.com.br/feist/781533/traducao.html

Um comentário:

  1. ahá, cara, foi mais difícil te achar na net do que achar um francês limpo e bem educado....li sues posts, ok? Boa sorte aí....
    quanto ao frog que te confundiu com um chinês, podia ser pior, ele poderia ter achado que vc era coreano...(ô piadinha maldosa para todos os envolvidos)
    É isso aí, Tom..... Ari Brito, de Cuiabá

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