terça-feira, 5 de outubro de 2010

Sem comunicação

"L'Écoute": obra de Henri de Miller diante da Igreja de Saint-Eustache em Les Halles

Comecei a escrever algumas coisas no diário referentes à semana anterior. Queria reproduzir no texto a alegria que senti por passar alguns momentos agradáveis com os amigos em Paris. Até me empolguei para fazer isso hoje. Porém, não demorei muito para perceber que, nas poucas linhas que saíram, os nomes e os lugares que mencionei, as situações que descrevi e os próprios termos que utilizei só eram emocionantes e só faziam sentido para mim. Ou, na melhor das hipóteses, para os amigos que estavam comigo.

Alguém poderia dizer: "Mas há quem te entenda!" Sim, claro. Há sempre alguém que nos entende. Ou, pelo menos, que faz parecer que nos entende. Mas a questão não é saber da existência desses seres iluminados e iluminadores (penso no analista), sem os quais - diga-se de passagem - a vida seria terrível: o problema mesmo são as pessoas para quem gostaríamos de falar e que não podem - ou não querem - nos ouvir.

De repente, descobri-me sozinho, de novo. Porque era como se eu falasse para o vazio, sem poder contar com ninguém para ouvir aquilo (ainda que eu soubesse que sempre há), como se aquele sentimento de alegria que existiu fosse absolutamente indiferente, irrelevante mesmo, no isolamento existencial em que eu me encontrava. Exageros à parte (quase um melodrama, credo!), é preciso observar que, nesse meu egocentrismo, vê-se a contraposição do meu eu com um Outro que, assim como eu, também precisa comunicar seus sentimentos.

De fato, o mais terrível dessa descoberta foi perceber que todas as queixas que eu poderia dirigir a essa multidão surda, essa mesma multidão surda poderia dirigir de volta a mim. E eis que me vi, mais uma vez, na posição de "surdo", por incapacidade ou por falta de vontade de ouvir, isso pouco importa: o que eu não podia negar era que, em minha surdez, eu ouvia essa multidão dizer que o que sentiam não significava nada para mim, que eu não os entendia, que eu era surdo para seus corações... Como um eco. Antes fosse surdo (ou egocêntrico) de verdade para não ouvir nada disso!

Então, parei de escrever. Porque escrever estava me fazendo pensar nessas coisas chatas. Só escrevi esta parte do post porque, do ponto de vista terapêutico, julguei ser necessário pelo menos tentar falar sobre esse sentimento para não me sentir ainda pior. E eis aqui a parte "alegre" de um texto ingênuo (será coincidência que os alegres são sempre ingênuos?), que, por ser um registro, não chega a merecer ser esquecido:

* * *

A semana passada foi divertida porque recebemos visitas do Brasil. Estavam em Paris dois professores que conheço e dos quais gosto muito. A presença deles me fez bem: durante alguns dias, era como se a distância oceânica que me separa do Novo Mundo, bem como a estranha sensação de isolamento, de alguma forma diminuíssem.

Na quinta-feira, inventávamos caminhos à gauche et à droite do Sena, andando do Quartier Latin à Opéra, passando depois pelo Marais até chegarmos à Place de la Concorde, e só voltei a sentir saudades de São Paulo bem tarde da noite, quando cheguei à Maison du Brésil e repeti o rito diário de entrar sozinho em meu quarto. De todo modo, aquele havia sido um dia feliz: para além da alegria de poder apreciar lugares belíssimos como a Igreja de Madeleine e o Hôtel de Ville, o mais curioso foi perceber que, apesar de termos visto os lugares de sempre (acho que, com quase três meses de Paris, já posso falar assim), a companhia no passeio era nova, e isso fazia toda a diferença.

O almoço havia sido no restaurante Le Procope. É o mais antigo café de Paris - funciona desde 1686 - e ali estiveram homens como Rousseau, Voltaire, Danton, Robespierre, Benjamin Franklin... Fiquei emocionado de estar naquele lugar, que, após mais de 300 anos, ainda preserva uma decoração típica do século XVIII. Era como fazer uma viagem no tempo. Mas, mais do que isso, era uma viagem emocionante porque eu não a fazia sozinho. Por alguns instantes, esqueci-me das coisas que não gosto da França e dos franceses e apenas aproveitei a agradável companhia dos amigos, que, como mágica, tornavam aquele lugar especial.

Na verdade, até me comportei como um civilizado: coloquei o guardanapo no colo, comi a truta que pedi segurando o garfo com a mão esquerda, bebi o vinho e a água em taças diferentes, conversei amenidades observando atentamente os modos à mesa... Acho que fiz praticamente tudo que fazem os que seguem as regras de etiqueta, e quem ali me visse não diria logo de cara que havia um selvagem comendo num restaurante chique em Paris. Só não fui vestido com roupa social porque aí também já seria demais... Mas achei muito prazerosa a experiência de passar-me por "gente", não pela situação em si mesma, é claro, mas pela companhia dos amigos ali presentes. Paris sem os amigos seria muito sem graça: seria só civilização.

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