quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

No princípio era o Silêncio


"Il y a toujours quelque chose d'absent qui me tourmente."

"Há sempre algo de ausente que me atormenta", escreve Camille Claudel a Rodin em 1886. Intriga-me o que poderia ser essa ausência. Talvez fosse algo que a própria escultora não pudesse dizer. Ausência de palavras... Hoje, depois da aula na Cité des Arts, passei em frente ao número 19 do Quai de Bourbon, onde Camille morou e trabalhou de 1899 a 1913, quando então foi internada.

Lugar silencioso aquele. Os passantes não faziam barulho, andavam todos quietos, sérios, alguns até meio cabisbaixos. Era como se o silêncio ali fosse um sinal de respeito, de reverência, em consideração a tanta tristeza e solidão que ficaram gravadas com amor e loucura nas paredes daquele endereço. Diante da ausência de Camille, absolutamente nada a dizer.

Foi em silêncio que comecei o ano. Andei refletindo sobre algumas coisas que amigos me disseram. Mas só refletindo. Não estava pensando em respostas para eles. Pois sei que, no fundo, qualquer coisa que eu dissesse seria indiferente, inútil... Ou pior, poderia aumentar ainda mais os mal-entendidos. É a lição lógico-filosófica que aprendi com Wittgenstein: "Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar."

Disseram-me, por exemplo, que sou "pessimista", que o que escrevo "é complicado", que me preocupo "demais em querer sentir algo realmente especial", que pareço "desesperançoso" e em "estado de letargia", que sou um "bicho do mato", que sou "cínico", e até que eu estaria passando por uma "mudança de orientação filosófica". Sinceramente, acho que não é nada disso. Até senti vontade de me explicar, vontade de falar... Mas penso que falar mais do que eu já falei, depois de ter dito tudo o que eu poderia dizer, simplesmente não faria sentido.

Este blog era para ser uma espécie de caderno de campo, onde eu registraria as impressões do estágio que faço em Paris. Mas ele mudou um pouco e acabou ficando algo parecido com meu diário, inclusive no tom melancólico. Acho que a Helô está certa: eu escrevo com o coração. O que não deixa de ser um trabalho de tradutor. Sim, tradução, a partir do original em sentimentalês, língua que se fala não na Paris dos blocos de pedra construída por Haussmann, mas na Paris imaginária que encontrei dentro de mim.

Não desejava muito: só queria dizer meus sentimentos a um outro, esperando que esse outro me compreendesse... Mas agora percebo que isso talvez não seja possível. Porque falar sobre sentimentos é como conversar sobre religião: ninguém se entende e as discussões simplesmente não fazem sentido. O sentimento é como o dogma - ambos dizem respeito a "verdades" particulares que possivelmente ninguém mais poderá conhecer, ou que, mesmo que sejam conhecidas, nunca serão exatamente as mesmas. Isso me lembra a lição mais importante que aprendi nos tempos do curso de teologia: só Deus sabe o que se passa no coração de cada pessoa.

Mas agora, sem Deus, o que fazer com o desejo de dizer o que sinto? Quero dizer algo, quelque chose, mas dizer para quem? E, mais ainda, para quê? É preciso buscar um sentido, uma salvação. O salmista diz: "Se o Senhor não me socorresse, em breve a minha alma habitaria a região do silêncio." (Salmo 94:17). Perder-se no silêncio, salvar-se na Palavra. No princípio era a Palavra e a Palavra estava com Deus, escreve são João.

Porém, quando a Palavra não nos diz mais nada, quando ela mesma é oca de significado, quando não há mais nenhum encanto nas frases que ouvimos sobre sabe-se-lá-o-quê, resta-nos apenas o sentimento de estarmos perdidos no meio do vazio do silêncio, trazendo dentro de nós um outro vazio: o da ausência do que dizer. Il y a toujours quelque chose d'absent qui me tourmente... Ausência que não deixa de ser uma prisão, cela solitária, onde não podemos mais dizer o que quer que seja. Mas uma prisão onde não estamos mortos e da qual desejamos sair um dia em busca de algo que nos escapa, sempre. Desejo de encontrar o nome daquilo que nos falta. Isso até hoje não conheço ninguém que tenha dito tão silenciosamente quanto Clarice:


"No meu interior encontro o silêncio procurado. Mas dele fico tão perdida de qualquer lembrança de algum ser humano e de mim mesma, que transformo essa impressão em certeza de solidão física. Se desse um grito - imagino já sem lucidez - minha voz receberia o eco igual e indiferente das paredes da terra. Sem viver coisas eu não encontrarei a vida, pois? Mas, mesmo assim, na solitude branca e limitada onde caio, ainda estou presa entre montanhas fechadas. Presa, presa. Onde está a imaginação? Ando sobre trilhos invisíveis. Prisão, liberdade. São essas as palavras que me ocorrem. No entanto não são as verdadeiras, únicas e insubstituíveis, sinto-o. Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome." (Clarice Lispector, Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 73-74)

2 comentários:

  1. Não se preocupe, Thomaz. Muitas vezes, as pessoas não querem ouvir a verdade, preferem ouvir aquilo que as agradam. E, infelizmente, estando aqui em Paris, a gente, para sobreviver, tem que dizer sempre que tudo é lindo e maravilhoso, mesmo que estejamos gritando por dentro.

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  2. Acho que começamos o ano de modo semelhante...
    Eu, procurando as diversas traduções e versões para Camille, acabo de ler seu post e me questionar se até a mesmo a liberdade que Clarice buscava seria suficiente para preencher a ausência da primeira. Hoje, na verdade, não é mais de Camille somente... é minha também. Enfim, não acredito que encontrarei a resposta.
    Continue a escrever com o coração se isso te liberta. Abraços.

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