tag:blogger.com,1999:blog-4303279904121991073.post1054575831160364539..comments2014-11-24T04:18:14.043+01:00Comments on estrangeira-mente: Viagens, eu as odeioThomaz Kawauchehttp://www.blogger.com/profile/02979081940333687686noreply@blogger.comBlogger1125tag:blogger.com,1999:blog-4303279904121991073.post-3038030036375034662013-02-23T17:35:02.256+01:002013-02-23T17:35:02.256+01:00[São Carlos, 23/02/2013, véspera da mudança para A...[São Carlos, 23/02/2013, véspera da mudança para Aracaju:]<br /><br />A cada viagem, perco um pouco do "maravilhoso sentimento de irrealidade". O que não deixa de fazer sentido, pois não se pode sonhar a vida inteira... De todo modo, é duro pensar que a saudade também é dessas coisas que passam. A impressão neste momento é de um progressivo desencanto, mas talvez ainda não tão forte como o do sábio catalão de <i>Cien años de soledad</i>, que apareceu em Macondo fugido "de uma das tantas guerras" de seu país. É na terra maldita dos incapazes de amar que esse estrangeiro instala a livraria "de incunábulos e primeiras edições em vários idiomas", onde lia Sêneca e Ovídio e convivia com quatro debatedores, seus únicos amigos da vida. <br /><br />Misterioso como o cigano Melquíades, era "encastelado na realidade escrita" e trabalhava no fundo da loja, desenhando garranchinhos roxos em folhas e mais folhas arrancadas de cadernos escolares que ninguém sabia o que significavam. Essa improvável (?) história de vida que nos conta Gabo termina tristemente quando o sábio solitário decide acabar com seu autoexílio. Vencido pela "saudade de uma primavera teimosa", embarca de navio para Barcelona e, durante a viagem rumo à sua aldeia natal, vai perdendo o "maravilhoso sentimento de irrealidade" até descobrir que seu problema não era com os lugares, mas com o sofrimento de saber que o refúgio buscado não se encontrava em parte alguma. <br /><br />"Nas noites de inverno, enquanto fervia a sopa no fogão, desejava o calor dos fundos da loja, o zumbido do sol nas amendoeiras empoeiradas, o apito do trem na sonolência da sesta, da mesma forma como desejava em Macondo a sopa de inverno no fogão, os pregões do vendedor de café e as cotovias fugazes da primavera. Aturdido por duas saudades colocadas de frente uma para outra como dois espelhos, perdeu o seu maravilhoso sentido de irrealidade até que terminou por recomendar a todos que fossem embora de Macondo, que esquecessem tudo o que ele ensinara do mundo e do coração humano, que cagassem para Horácio e que em qualquer lugar em que estivessem se lembrassem sempre de que o passado era mentira, que a memória não tinha caminhos de regresso, que toda primavera antiga era irrecuperável e que o amor mais desatinado e tenaz não passava de uma verdade efêmera." (Gabriel García Márquez, <i>Cem anos de solidão</i>, trad. Eliane Zagury, Record, 1996, p. 381)Thomaz Kawauchehttps://www.blogger.com/profile/02979081940333687686noreply@blogger.com